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domingo, 27 de setembro de 2015

Lembranças Setembrinas






Enquanto escrevo sorvo do doce-amargo chimarrão
E lembro dos meus tempos de chinoca
Na Setembrina dos Farrapos
Minha querida Viamão.

Meus bordados e crochês de pequena
O cheiro da chimia de chuchu colhido na cerca
As benzeduras da minha bizavó.

Das vezes em que declamei
Cantei
Pintei
Interpretei
Em festivais.

Das histórias que aprendi
Da cultura que defendi
Da pilcha que vesti
Das prendas que entendi.

Lembro das teias da vida
Que me levaram p’routros pagos
E enquanto bebo desta seiva
Não é um chasque que escuto
Nem chamamé nem milonga
É do rock todo inglesado
Que vem a trilha sonora
P´ra minha reflexão.

Fico aqui pensando
Que ainda sou aquela guria cheia de saias
Mas hoje vestindo calças
Enfrentando muito macho
Na peleia do tal de mercado.
Não preciso de uma faca na guaiaca
Nem de rebenque ou açoite
Preciso mesmo do que o vento frio do pago onde cresci me ensinou
Paciência, doçura e altivez
Uma dose de força e coragem
Pois da prenda que sou
Disto não posso me separar.

Mas penso que mesmo agindo de maneira diferente
Do que me ensinaram
Minha essência não vai embora
E não sou menos prenda, menos gaúcha, menos guapa
Do que as meninas que andam pilchadas
Como há muito deixei de andar.

E lembro então de pagos ainda mais distantes
Que não conheci
Mas que foram origem de tudo
Que hoje conhecemos aqui.

Sem as alemoas não teria chimia
Sem as polacas não teria festa com polonese
Sem as portuguesas não teria xale
Sem as açorianas não teria bordado e renda
Sem as espanholas não teria abanico e saia rodada.

E em uma cultura parida de tantas outras
Não posso esquecer que estas pessoas são tão gaúchas quanto eu
Órfãs de pago
Aquerenciadas em nossas coxilhas.

E sendo assim, quem sou eu p’ra dizer que é ruim
Gostar de baião e repente
Comer tapioca e acarajé
Contar causos de entradas e bandeiras
Sambar no carnaval
Vaquear em pantanal
E garantir os caprichos dos bois?

Ainda mais sabendo que mesmo em outros pagos
Quando deitarem em seus catres
As estrelas que os olhos deles vão enxergar
São as mesmas que os meus.

Caroline Garcia

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Infância sabor beterraba




Hoje, durante o almoço, percebi que minha infância teve um sabor diferente do que muitas pessoas descrevem.

Minha primeira infância teve sabor de chocolate, de biscoitos que eu comia em excesso, de balas e outros açúcares que me foram oferecidos talvez na tentativa de suprir minha ansiedade, que eu apresentava já em tenra idade.

Mas minha segunda infância, na verdade início de adolescência é lembrado por um sabor bem mais peculiar: sabor de beterraba cozida. Quanto mais grossa e tomar conta de toda a circunferência de uma beterraba inteira, mais ela me lembra de minha vida dos 13 aos 18 anos de idade (tempo em que me alimentei diariamente à mesa de minha mãe).

Aliás, beterrabas, tomates, folhas, cenouras. Todas elas lembram muito o sabor das refeições preparadas com muito carinho pela minha mãe. Meu irmão, sete anos mais novo que eu, quando ia às compras comigo, saia correndo com um tomate na mão, comendo como se fosse uma maçã (que ele gostava também). E fazia um escândalo quando eu pedia para pesar. Só parava de reclamar quando eu tirava da balança e devolvia a ele que “atacava” vorazmente a fruta (afinal, eu precisava pagar o tomate, né?).

A questão aqui é a beterraba. Meus outros dois irmãos, mais novos, comem beterrabas cozidas inteiras, abocanhando pedações que enchem as duas bochechas. É uma cena bonita de ver, sabe?
E meus filhos também. Aliás, meus filhos gostam de comer as folhas da beterraba, cortadas bem fininhas e cruas mesmo. Misturam no feijão e limpam os pratos. Ou cozidas em bolinhos também. Às vezes dão certa resistida, e eu, fazendo papel de investigadora alimentar descubro que é um espelhamento das manhas que presenciam na escola. Então rapidamente lembro a eles a importância de cada alimento e resolvo o problema.

Hoje, ao comer quase meio prato de beterraba (eu como crua, cozida, as folhas), junto a uma boa variedade de hortaliças, lembro-me de meu último check-up: todos os níveis de açúcares, colesterol, ferro e outras substâncias sempre estão sob controle. Mesmo com o sobrepeso que quem me conhece pessoalmente sabe que carrego (sobrepeso, aliás, que não me tornou sedentária, mas esta é outra história).

Senti então a necessidade de agradecer publicamente à minha mãe. Agradecer por ela ter me dito não várias vezes, me impor limites, me reeducar (e não é qualquer um que consegue reeducar alguém, mesmo sendo filho). E me alimentar. De corpo e de alma. Espero que ela leia este texto um dia e entenda a importância que tiveram os pães com margarina e doce de leite que nós comíamos nos finais de tarde quando eu voltava de meus estágios do Ensino Médio; alternados com as “viandinhas” de legumes cozidos que ela me fazia para o almoço. A missão dela foi cumprida: sou uma pessoa saudável.

Pena que ao lembrar-me de tudo isto, me bateu uma tristeza muito grande, pois lembrei também de uma cena que presenciei em um restaurante: a mãe, com um casal de filhos, serviu o menino (mais novo) com um prato de batatas fritas, arroz e bife empanado. A filha serviu-se sozinha com vários alimentos, entre eles, minha querida beterraba. O menino chorou e esperneou, querendo provar a iguaria.

- Cala a boca! Tu não come isto. – Respondeu a mãe, enquanto tentava “socar” goela abaixo da criança porções de batata e arroz; ao contrário de entregar um pedaço de beterraba para que ele provasse.


Lamentavelmente, no dia fiquei sem ação. Mas juro que se eu presenciar novamente um caso destes, não vou recomendar nenhum nutricionista. Vou passar o telefone da minha mãe, isto sim.





quinta-feira, 9 de abril de 2015

Era uma vez O Sul



- Pois tu sabes que até agora não caiu a ficha?

- Então, já era sabido que a crise do impresso tinha chegado naquelas paragens.

- É... Há que se adequar.

- Mercado maldito este!

- Mas criatura, este mercado não vai acabar. Lembra daquela frase clichê: “a comunicação nunca vai acabar... ela só vai mudar de plataforma”? É assim. Tem que virar multimídia, e...

- Ah, eu vou morrer de fome! Mal sei programar uma câmera digital doméstica!

- Então, cara! Vai fazer um curso, estudar.

- Estudar? Tu acha mesmo que eu preciso estudar? Minha escola é a vida, meu filho! É a estrada. Há quantos anos tu achas que eu reporto daqui da minha cadeirinha? Não tenho mais condições de fazer estas loucuras! Tempos bons aqueles que a gente perseguia bandido e vinha correndo pra redação bater os dedos na Olivetti. Uma lauda, um cigarro, uma lauda, um cigarro. Depois era o bar da esquina e um monte de cerveja. Bons tempos.

- Mas as pessoas não querem mais saber o que já aconteceu! Eles querem saber o que acontece na hora!

- Que escutem rádio.

- Tu estás andando em looping.

- Todos nós estamos. Vamos todos ficar desempregados mesmo, com esta enxurrada de crianças que pensam que sabem escrever só porque recebem um monte de curtidas e coments. Uma verdadeira vergonha!

(...)

- Ainda não caiu a ficha.

- Que ficha, rapaz? Nem vai cair! Isto é um absurdo! Onde já se viu? Depois estamos todos com nariz de palhaço gritando nas ruas e ninguém sabe por que! Pouca vergonha! Acham que podem se livrar assim da gente?

- E eu me peguei pensando nos impressores...

- Ah, eles que vão trabalhar numa gráfica!


-Oi?





terça-feira, 7 de abril de 2015

Dizem que hoje é dia do Jornalista



Hoje, dizem que é dia do Jornalista.

Na verdade, vivo este dia todos os dias.

Assim como em todas as profissões, nos comprometemos antes com o mundo, para depois nos comprometermos com si mesmos.

E como isto é gigantesco, às vezes assustador.

Existem pessoas que pensam que existimos apenas em matérias assinadas em folhetins pela TV, Rádio, Televisão. Que existimos quando damos nosso "boa noite", ou quando anunciamos "notícia de última hora", ou ainda quando escrevemos aquela coluna apimentada na página de opinião. Ledo engano. Existimos nas madrugadas, nas ameaças de quem quer fazer algo escondido, nos momentos em que as imagens são tão fortes e intoleráveis que nos prestamos a vê-las primeiro e proteger nosso expectador de um possível choque.

Existimos também fora das redações, garantindo que seja lá qual for a informação que o expectador queira receber; que ela seja recebida de maneira eficaz, digna e ágil. E não é trabalho fácil.

Existimos formando outros Jornalistas. Pois aquilo que se faz primordialmente necessário para a sociedade precisa de continuidade.

Há algum tempo temos ultrapassado as linhas do romantismo e não nos afixamos em uma mesa com nossos cigarros, café, máquina de escrever: dividimo-nos entre a vastidão da informação, nossas famílias, nossos desejos, nossa saúde. E como a tarefa de mantermos nossa saúde tem sido cada vez mais árdua! Como a linha entre a perda da nossa humanidade, da nossa compaixão, do nosso respeito aos nossos anseios e o caráter de nosso compromisso é tênue!

Mesmo que não estejamos em alguma área de risco fazendo uma cobertura, ficamos com o coração apertado nas mãos esperando nossos colegas voltarem da Faixa de Gaza, do Morro do Alemão, das manifestações populares do Brasil. E fazemos o possível para dar suporte para que ele se mantenha vivo e cumpra a sagrada missão de informar. E é com quase incuportável dor e sensação de impotência que acompanhamos quando temos uma baixa em nossas equipes. Mesmo que esta baixa tenha ocorrido em outra emissora, outro grupo de comunicação, ou outro país. Mesmo que seja um único colega que tenha sofrido com a falha em um colete a prova de balas. Mesmo que tenha sido um único colega atingido por uma bomba pelas costas. Mesmo que tenha sido um único colega torturado por um grupo de intolerantes. Mesmo que tenha sido uma redação inteira vitimada por um atentado. Dependemos um do outro diariamente; e mesmo que não nos falemos ou não nos conhecemos pessoalmente erguemos nossos lápis muitas vezes quebrados e informamos o que acoteceu, numa incansável tentativa de evitar uma lamentável repetição dos fatos.

Pensamos em conteúdo, pensamos em educação, pensamos em cultura, pensamos na verdade acima de tudo (mesmo que precisemos ouvir cada lado dela, mesmo que intragável).

Fizemos um juramento no dia em que tomamos a decisão de nos doarmos desta forma. Que o mundo permita que ele possa ser cumprido todos os dias. Mesmo com todas as dificuldades. Com toda a honra e amor a que nos propomos.

“Juro / exercer a função de jornalista / assumindo o compromisso / com a verdade e a informação. / Atuarei dentro dos princípios universais/ de justiça e democracia,/ garantindo principalmente / o direito do cidadão à informação. / Buscarei o aprimoramento / das relações humanas e sociais,/ através da crítica e análise da sociedade,/ visando um futuro/ mais digno e mais justo/ para todos os cidadãos brasileiros./ Assim eu Juro”.

Assim eu juro. E juramentos para mim são vitalícios, quando não possivelmente eternos.

Feliz dia do Jornalista.




quarta-feira, 25 de março de 2015

Aprendendo a ser mãe II



Hoje de manhã me vi diante de mais um dilema materno. O relato será extenso, mas serve para reflexão:

Ontem, ao sair da casa da tia que cuida dos meus filhos fui informada que eles brigaram na escola.
Eu: Brigaram um com o outro?
O tio que cuida deles, com sobrancelhas cerradas: Não, Brigaram os dois com um outro guri. Mas eles vão te contar direitinho.

E sairam na rua me contando os dois ao mesmo tempo que a Jaliska tinha saído em defesa do Lugh. Bom, acabei o assunto orientando que com violência não se resolve nada.

Hoje pela manhã, minha filha reclamou que tem sido "separada" de uma colega com quem não para de brigar (Confesso que a menina é uma miniatura de sem noção, mas juro que oriento minha filha a viver pacificamente com ela, juro! – Se fosse comigo o cabelo dela já estaria cheio de cola.).

Eu: Mas claro, né? Tu até bate de soco em menino lá na escola, o que mais tu queria?
Ela cabisbaixa: Mas eu não bato de soco!
E eu, num momento de insanidade: Se tu vai bater, tem que bater direito que é pra não apanhar (eu nunca puxei cabelo de ninguém, mas soco muito certeiramente, desde tenra idade).
Meu filho entrando na conversa: Ela bateu de garrafa.
Eu: Hein?
Meu filho: Isto mesmo, mãe! Ela bateu com a garrafa de água que ela leva, e ainda estava congelada.
Ela, ficando nervosa: mas mãe, ele puxou o tênis do meu irmão e saiu correndo. Daí eu fui atrás dele e peguei o tênis. Ele não queria me entregar, ele vive incomodando na escola, bate até em professor. Dei de garrafa nele.
Eu, boquiaberta: E o que ele fez?
Ela: Ele foi pro lado de uma colega que tinha quebrado o pé e está usando muleta. Pegou uma muleta dela e veio para cima de mim.
Eu, cada vez mais apreensiva (ainda mais por saber que ninguém tinha me ligado da escola, nem a minha filha tinha marcas de espancamento por muleta): E...
Ela: E eu arranquei a muleta da mão dele e enchi ele de muletadas! Depois devolvi a muleta pra guria dona da muleta.
E o meu filho, interrompendo: Mas nesta hora eu já estava tentando segurar ela, porque né... coitado do guri.

(Muito bem, de ladrão de tênis o guri virou coitado...)

E eu, me virando pro meu filho: E tu conseguiu separar?
E ele: Não. Mas daí a diretora veio e levou nós três para a sala dela.

E lá fui eu de novo dar discurso sobre evitar resolver problemas na base da violência.

Mas o que eu digo se esta menina é meu update, minha miniatura, minha repetição exata no mundo, meus deuses?

Observação: Minha filha tem 1,26m e 25kg. O menino em questão é do tamanho do irmão dela: em torno de 1,45m e 44kg.
Observação 2: O que dizer desta pessoa que só conheço a 9 anos e já considero tanto? *o*
Observação 3: No Natal de 2013, entre outras lembrancinhas dei uma luva de boxe para cada um dos meus filhos. Será que a culpa é minha?
Observação 4: Eu ia escrever isto no Facebook, mas era muito extenso...