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Minha filha: uma pequena gadji, mas que aprende dia após dia a andar sem medo de nada, graças aos amigos ciganos que lhe ensinam tantas coisas. |
Quando era pequena, minha avó me
contou a história de Jesus. Entre todo o sacrifício e a tristeza do final, um
detalhe sempre me chamou a atenção: quando encomendaram os cravos (pregos) que
seriam usados na crucifixão, o fizeram a um grupo de ciganos, que eram os
melhores fabricantes da região. Quando souberam para que serviria o produto, os
ciganos fizeram um cravo a menos, na tentativa de fazer com que aquele homem
sentisse menos dor. Segundo a lenda, desde então, Deus teria abençoado este
povo pela sua boa intenção e compaixão. Mesmo que não tenha dado certo, pois os
romanos pregaram os pés do réu juntos.
Minha família nunca disse que
ciganos roubavam crianças, ou que seriam trapaceiros. Cresci na verdade tendo
admiração por aqueles que ingenuamente tentaram minimizar o sofrimento de
alguém que como eles, fazia parte de um povo que foi e é perseguido através dos
tempos.
Quando cresci mais um pouco,
estudando o espiritismo, aprendi mais uma coisa interessante: segundo os
kardecistas, os ciganos desencarnados são responsáveis por atrair as almas que
estão no umbral com sua música e dança. Assim estes espíritos que sofrem tanto
enxergam em torno deste grupo a luz da arte que emanam, e conseguem acalmar
seus ânimos diante da beleza facilitando assim o trabalho dos espíritos
socorristas.
Depois de adulta, enquanto meus
filhos corriam pelo amplo terreno da casa de um amigo cigano que ao mesmo tempo
que falava comigo segurava uma filha no colo e se equilibrava pois a outra o
escalava (literalmente), aprendi mais uma informação valiosa: “nunca roubamos
criança nenhuma, Carol. Na verdade, adotávamos as crianças que ninguém queria
mais, que estavam na rua”, me disse ele muito sério. “Quando aparecia uma
criança de rua, com fome, sem roupa, sem pais, sem ter para onde ir perto de um
acampamento cigano, acolhíamos. Como iríamos devolver para as ruas? Então elas
sumiam e as pessoas na volta acusavam de roubo”.
Ao ouvir isto, comecei a lembrar
de tantas histórias de moças violadas e renegadas pelos pais que fugiam com os
ciganos, ou que acompanhavam a caravana de algum circo. Ou ainda jovens que não
conseguiam viver dentro de um padrão familiar neurótico e que aproveitavam a
primeira oportunidade que tinham para seguir com este grupo acolhedor.
Hoje percebo o quanto tudo isto é
triste, mas bonito. Vejo o quanto um acampamento cigano pode carregar consigo a
miséria material. O quanto algumas cláusulas de nossa Constituição não atendem
a estes cidadãos do mundo. Mas também
vejo o quanto me acolhem quando estou por perto. O amor que dispensam aos meus
filhos, a ternura com que tratam minha família como se fossemos da mesma
família. Sinto a paz e a energia materna quando respeitosamente cubro minha
cabeça e me coloco diante do altar de Santa Sara (que já tive a honra de
auxiliar a preparar – muito emocionada, diga-se de passagem).
E é em torno de uma fogueira, com
os pés descalços, que sinto que minha alma se limpa.
Obrigada aos meus amigos ciganos
por me ensinarem a amar, a perdoar, a me alegrar diante de tudo. Que hoje, dia dos ciganos, seja um dia para repensarmos no quanto vocês são importantes.
Kak Prala, stanki
nashti chi arakenpe manushen shai.
Update: recebi um recado do meu amigo Emerson Guimarães Lovari (cigano, ativista em prol dos direitos desta minoria), me contando como a história dos cravos é diferente. Segundo ele "nas histórias que minha avó contava, o quarto cravo seria o ultimo a ser cravado, o prego da misercórdia, depois de muito sofrimento eles costumavam cravar na testa, e por isso usaram a lança! A história é longa, mas só para acrescentar, os pés sempre foram pregados juntos, no formato da cruz, quando o cruxificado abaixava-se, a cabeça era erguida com o quarto cravo, para que o povo(que adorava o sofrimento alheio) pudesse ver os olhos do condenado. Mais um ponto: quem fez os cravos, foram acusados de roubo, e cruxificados junto a cristesko! Na história da igreja, eram apenas ladrões, mas não esclarecem quem eram e porque foram acusados".
Que lindo Carol!
ResponderExcluirObrigada, Michele! Que bom que gostou!
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