Crônicas da vida real:
Choque. O filho contou que havia pedido desculpas às
colegas, pois havia “mexido” com elas. Que havia se dirigido à diretoria da
escola para se retratar e pedir orientação de como agir, agora que tinha feito
bobagem e não sabia como recuperar a confiança dos colegas.
- Entendo. Mas foram os professores que te chamaram?
- Não, mãe. Foi a Julia*. Vi que ela estava falando grosso e
muito brava comigo. Dessa daí eu entendo bem a linguagem: ela estava muito
furiosa. Daí me flagrei que tinha algo errado e fui procurar ajuda.
Agora, depois do acontecimento dos trinta e três do Rio de Janeiro,
novas discussões surgiram nos lares, e a compreensão sobre receios de que
durmam fora de casa, ou saiam para festas de desconhecidos finalmente parece
estar sendo entendido.
E a mãe se viu no quarto sozinha com o menino que havia pedido
ajuda na direção da escola:
- Mãe, menino não é estuprado?
- Sim, meu filho. Homens e mulheres podem fazer estas coisas
contra alguém e sofrer este tipo de violência também.
- Ah. Eu sei como se estupra um menino. Não que eu tenha
feito ou participado de uma coisa destas, mas eu sei.
- Entendeu então das coisas que eu temo?
- Sim. Mas fico pensando: se um cara vier pra cima de mim,
consigo me defender. Mas se forem dois, não vou poder fazer nada.
(Imagina trinta e três, meu filho...)
- Esta é a parte mais triste. “Não poder fazer nada”. Homens
parecem passar menos por este tipo de violência ou não denunciam, o que
atrapalha a estatística. Por isto, a consciência que nós temos é de que
mulheres passam muito mais por violência sexual do que homens.
- Ô, mãe. Tem uma menina lá na escola que está me provocando.
- Como assim?
- Ela fica rebolando na minha frente, “sentando até o chão”
e depois empinando a bunda na minha cara. Daí eu peço licença para acompanhar a
lição, e ela debocha gritando para as outras meninas que eu estou me
controlando, como se isso fosse errado.
- E tu falou para a diretora?
- Sim. Ela anotou o nome da menina lá no caderno dela.
- Meu filho, se tu precisar que eu vá na escola conversar
com a diretora, pode me pedir que eu dou um jeito.
- Não. A professora Manuela* sabe bem ajeitar as coisas...
mas se não adiantar te chamo sim.
- Quero que tu entenda uma coisa muito séria: para respeitar e proteger uma pessoa, não adianta
esperar ela dizer não e parar de fazer o que se está fazendo. Vão haver
situações em que tu vai te ver sozinho com uma menina e vocês estarão fazendo
coisas que talvez ela não queira mais. É só parar também. Mas vão haver
situações também, em que ela vai te pedir para fazer coisas que tu sabe que vão
machucar ela, se não naquela hora, depois. E aí é teu papel saber dizer não
também. Por mais que seja difícil. O namorado daquela moça do Rio de Janeiro
estava com ela naquele dia. Dizem que ela se drogou, ou bebeu, não sei ao
certo. E que convidava aqueles homens a “se servirem”. Não sei se isto é
verdade. Mas se for. Tu não acha que teria sido bem diferente se o rapaz
tivesse a mandado tomar um banho e um café forte pra recobrar a consciência ao
invés de abusar da situação? Isto também é proteção e respeito.
******
Toda mulher já foi abusada de alguma forma.
Algumas pessoas chegam à ignorância de dizer que se alguma
personalidade chega até veículos de mídia para falar sobre o assunto é “para se
aparecer”.
Sinto muito, meus amigos. Mas se todas as personalidades
femininas resolvessem falar o depoimento seria praticamente o mesmo.
Pode ter sido uma agressão física. Ou verbal, ou moral.
Pode ter sido um abuso físico. Ou verbal, ou moral.
Pode ter sido um estupro. Mas pode ter sido visual, pode ter
sido virtual, pode ter sido sem penetração.
Não basta apenas respeitar o não.
Há muitos anos estamos debatendo o que é estupro ou não, o
que é abuso ou não, o que é agressão ou não.
É tão difícil assim entender que atos sexuais com uma pessoa
estando ela contrariada ou fora de consciência plena é estupro?
É tão difícil entender que tirar vantagem de alguma condição
melhor em você sobre o outro é abuso?
É tão difícil assim entender que agressão não é só física,
mas que ofendendo verbalmente, ou desmoralizar uma pessoa também é agressão?
Eu já tive “nãos” ignorados.
Eu já fui desrespeitada enquanto dormia.
Eu já fui assediada em reuniões de trabalho (graças aos
Deuses há bons anos isto não acontece).
Eu já fui tocada na rua, vestida com roupas compridas,
enquanto ia ao trabalho.
A vergonha é a mesma.
Hoje não é mais proibido ou repudiado ter filhas. Mas o
pesadelo continua o mesmo.
******
Uma babá foi presa por ter estuprado uma menina de nove anos
de idade.
A babá diz que a menina ameaçava ela caso não cometesse atos
libidinosos, fotografasse e armazenasse no tablete da criança.
Vai que a guria estava possuída pelo Pazuzu e agora ninguém
acredita na pobre babá?
*nomes fictícios
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