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terça-feira, 28 de junho de 2016

Precisamos falar sobre Velho Chico (E sua possível rejeição)

No dia em que o primeiro capítulo de Velho Chico foi ao ar, lembro que fiz textão no Facebook. E neste textão uma previsão catastrófica que está se concretizando, infelizmente. Deveria estar feliz por mesmo após seis anos longe da roteirização ou direção de espetáculos não ter perdido o faro com o público. Mas não estou. Nem um pouco.

Estou sim, desiludida. Ao mesmo tempo em que acreditei que a Globo, com seu poder de persuasão em horário nobre iria auxiliar na penetração de outros formatos de texto, atuação e até de fotografia no entendimento da “plateia”, tirando à manobra de fórceps da erudição seletiva certas práticas cênicas; tinha a certeza de que o público seria resistente. E está sendo.

Muito bem, meus senhores. Velho Chico parece estar correndo o risco de ser encurtada. Graças à sua falta de músicas populares com refrões repetitivos e sem nexo, bordões óbvios e cenas de sexo gratuito. Pelo amor de todos os deuses, quando sonharíamos que uma novela da Globo teria um poema de Gregório de Matos musicado em sua trilha sonora (e primorosamente encaixado na realidade expressa no texto)?

Lembro como se fosse hoje, em meio às risadas por ter visto os pelos pubianos de Santoro (Poxa, qual adolescente dos anos 1990 não esperou ansiosamente por isto?), que lembrei do quão significativas eram as manifestações sexuais entre sua personagem e a de Carol Castro. E sem levar em consideração o contexto histórico do período de liberação sexual e o “desenfreamento” de Afrânio (que mais tarde viria a antagonizar com o conservadorismo que assumiria ao encarnar o papel de Coronel Saruê no lugar do pai – o que aliás reflete a sucessão rural tão forte em certas regiões do país), ouvi pessoas próximas a mim desistindo de assistir à novela por que só mostrava “putarias”.

Dei muitas risadas com dona Encarnação chamando a nora de “Gitana” fonetizando com “J”. Clara referência à ignorância causada pelo isolamento cultural de certas camadas da população que ainda assim se enche de razão. E se Selma Egrei é cansativa, arrastada e irritante, louvores a ela: de que valeria meses de laboratório se não para fazer com que o público sentisse por ela asco que parte das outras personagens sentem?

E chorei copiosamente enquanto o padre Benício rogava a Nossa Senhora que desse sabedoria a Santo e Tereza para administrar o amor que sentem um pelo outro. O quanto isto acontece em nossas vidas? Seríamos nós aptos a aceitar apenas o que fantasiamos como amor e não o que acontece todos os dias em consequência do amor? Parece que apenas quem amarga sentimentos por longos anos e não encontra saídas entenderia o que está expresso por alí.

Seria apenas eu que entendi lá nos primeiros capítulos a alegoria dos barcos no Rio São Francisco? Só eu senti o prazer de ter verdadeiras telas de Portinari invadindo minha casa através da fotografia da novela? Será o pé do Benedito que só eu entendi os elementos surreais que permeiam a trama fazendo ela inserida em um local onde o tempo parou? Não. Isto não é possível. E sei não ser possível porque vi alguns poucos falando exatamente isto a respeito das intenções de Benedito Rui Barbosa (Mestre!).

Velho Chico traz a caricatura que é sim presente em nossas vidas, traz pausas cênicas para que possamos refletir (e deglutir) acerca de tantas informações difíceis que “pipocam” diariamente. Traz a diva Christiane Torloni cantando despreocupadamente e naturalmente como todo ator deveria ser permitido fazer (sem playbacks), porque ela não está concorrendo a um Grammy, mas interpretando (E meus Deuses, como é bom ouvir esta mulher cantar deste jeito!).

Façamos um esforço e assumamos que talvez (Talvez uma pinóia, agora minha previsão está comprovada.) o público não esteja preparado para pensar e muito menos aceitar que (mais uma vez esta afirmação) a arte é amoral. Na vida temos gente preconceituosa, chata, violenta, política. Temos regiões no Brasil em que a homossexualidade é velada por conta de traços culturais lamentáveis, mas traços culturais (E daí a tal ausência de personagens homossexuais na trama.).

Esta é a realidade nua e crua. Aceitem se tiverem força para isto.


(E só para piorar um pouco mais o post, deixo aqui embaixo a oração à Santa Sara que a “Jitana” Christiani Torloni conduziu de uma maneira que eu nem sei descrever – e olha que eu nem paro para olhar novela, hein?)




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