No dia em que o primeiro capítulo de Velho Chico foi ao ar,
lembro que fiz textão no Facebook. E neste textão uma previsão catastrófica que
está se concretizando, infelizmente. Deveria estar feliz por mesmo após seis
anos longe da roteirização ou direção de espetáculos não ter perdido o faro com
o público. Mas não estou. Nem um pouco.
Estou sim, desiludida. Ao mesmo tempo em que acreditei que a
Globo, com seu poder de persuasão em horário nobre iria auxiliar na penetração
de outros formatos de texto, atuação e até de fotografia no entendimento da “plateia”,
tirando à manobra de fórceps da erudição seletiva certas práticas cênicas;
tinha a certeza de que o público seria resistente. E está sendo.
Muito bem, meus senhores. Velho Chico parece estar correndo o risco de ser encurtada. Graças à sua falta de músicas populares com refrões
repetitivos e sem nexo, bordões óbvios e cenas de sexo gratuito. Pelo amor de
todos os deuses, quando sonharíamos que uma novela da Globo teria um poema de
Gregório de Matos musicado em sua trilha sonora (e primorosamente encaixado na
realidade expressa no texto)?
Lembro como se fosse hoje, em meio às risadas por ter visto
os pelos pubianos de Santoro (Poxa, qual adolescente dos anos 1990 não esperou ansiosamente
por isto?), que lembrei do quão significativas eram as manifestações sexuais
entre sua personagem e a de Carol Castro. E sem levar em consideração o
contexto histórico do período de liberação sexual e o “desenfreamento” de Afrânio
(que mais tarde viria a antagonizar com o conservadorismo que assumiria ao
encarnar o papel de Coronel Saruê no lugar do pai – o que aliás reflete a sucessão
rural tão forte em certas regiões do país), ouvi pessoas próximas a mim
desistindo de assistir à novela por que só mostrava “putarias”.
Dei muitas risadas com dona Encarnação chamando a nora de “Gitana”
fonetizando com “J”. Clara referência à ignorância causada pelo isolamento
cultural de certas camadas da população que ainda assim se enche de razão. E se
Selma Egrei é cansativa, arrastada e irritante, louvores a ela: de que valeria
meses de laboratório se não para fazer com que o público sentisse por ela asco
que parte das outras personagens sentem?
E chorei copiosamente enquanto o padre Benício rogava a Nossa
Senhora que desse sabedoria a Santo e Tereza para administrar o amor que sentem
um pelo outro. O quanto isto acontece em nossas vidas? Seríamos nós aptos a
aceitar apenas o que fantasiamos como amor e não o que acontece todos os dias em
consequência do amor? Parece que apenas quem amarga sentimentos por longos anos
e não encontra saídas entenderia o que está expresso por alí.
Seria apenas eu que entendi lá nos primeiros capítulos a alegoria
dos barcos no Rio São Francisco? Só eu senti o prazer de ter verdadeiras telas
de Portinari invadindo minha casa através da fotografia da novela? Será o pé do
Benedito que só eu entendi os elementos surreais que permeiam a trama fazendo
ela inserida em um local onde o tempo parou? Não. Isto não é possível. E sei
não ser possível porque vi alguns poucos falando exatamente isto a respeito das
intenções de Benedito Rui Barbosa (Mestre!).
Velho Chico traz a caricatura que é sim presente em nossas
vidas, traz pausas cênicas para que possamos refletir (e deglutir) acerca de
tantas informações difíceis que “pipocam” diariamente. Traz a diva Christiane
Torloni cantando despreocupadamente e naturalmente como todo ator deveria ser
permitido fazer (sem playbacks), porque ela não está concorrendo a um Grammy, mas
interpretando (E meus Deuses, como é bom ouvir esta mulher cantar deste jeito!).
Façamos um esforço e assumamos que talvez (Talvez uma
pinóia, agora minha previsão está comprovada.) o público não esteja preparado
para pensar e muito menos aceitar que (mais uma vez esta afirmação) a arte é
amoral. Na vida temos gente preconceituosa, chata, violenta, política. Temos
regiões no Brasil em que a homossexualidade é velada por conta de traços
culturais lamentáveis, mas traços culturais (E daí a tal ausência de
personagens homossexuais na trama.).
Esta é a realidade nua e crua. Aceitem se tiverem força para
isto.
(E só para piorar um pouco mais o post, deixo aqui embaixo a
oração à Santa Sara que a “Jitana” Christiani Torloni conduziu de uma maneira
que eu nem sei descrever – e olha que eu nem paro para olhar novela, hein?)
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