- “Depois do impeachment da
Dilma, o valor do gás de cozinha subiu três vezes.
- Depois do impeachment da Dilma,
o gás de cozinha ficou três vezes mais caro.
- Depois que o Temer tirou a
Dilma, todos os combustíveis aumentaram o triplo, e ele tem um acordo com o
Lula.
- O Temer tem um acordo com o
Lula, que vai concorrer com o Bolsonaro para ver quem estabiliza o preço do gás
de cozinha que sempre aumentava para o triplo do preço nos últimos 15 anos”.
Parece absurdo, mas é como
funciona a brincadeira do telefone sem fio. Acordei pensando nisso hoje pela
manhã. Domingo. Meus filhos e marido dormindo e eu pensando no que estaria
piorando o caos em que já estamos inseridos. Na verdade, preocupação com um
jovem muito próximo a mim.
Filho de pais amorosos, família
educada e inteligente o menino resolveu defender o Bolsonaro.
- Mas Carol... Ele era um guri
tão bom. – Diz uma amiga inconsolável, com lágrimas nos olhos.
- E continua sendo. – Respondo. –
Até onde eu saiba ele não morreu.
- Mas para mim é como se fosse a
mesma coisa. – Choraminga a amiga que lembro bem, no final dos anos 1990 gritava
tal e qual a Vera Guasso (arquétipo-mito-rainha-senhora da política histérica,
com todo respeito) nas ruas de uma Porto Alegre prestes a receber Olívio Dutra
como governador, após o desastre Britto (e isso é um dos poucos sensos comuns para
qualquer lado neste Estado: o governo Britto foi catastrófico). Eu sei que a
descrição foi complicada e truncada, mas quem viu estes momentos entenderá. –
Ele está usando discursos de ódio, fala mal das pessoas, diz que bandido bom é
bandido morto, e que a esquerda merece ser tratada com força e que se for
preciso impor a ordem por medo, terá que ser feito.
- (Chamei-a pelo nome, mas não
citarei por motivos óbvios)... E se ele estivesse usando o mesmo tom para
defender a esquerda? Teria algum problema para ti? Para mim teria.
Estamos diante sim de um caos
social. E uma coisa devemos entender primordialmente: o ódio não tem lado. O
ódio simplesmente existe. E é facilmente provocado. Quando começo este texto
fazendo uma brincadeira de telefone sem fio, apenas descrevi o que presenciei
com meus próprios olhos, timtim por timtim. E a partir disso, pergunto: a
última frase dita na brincadeira é mais grave que a primeira? Termos três
aumentos no valor do gás de cozinha em menos de um ano (época do ocorrido) já
não é absurdo o suficiente? É preciso mesmo aumentar um ponto para ser
convincente ao contar um conto? Não. A resposta é não.
Não sou psicóloga, menos ainda
psicopedagoga. Mas uma coisa é certa: jovens precisam de segurança e não de
confusão. Ora, quem nunca assistiu programas televisivos com fórmulas mágicas
em educação dos pequenos? A principal: “Seja firme em suas decisões e mostre
isso com a voz. Mantenha o equilíbrio para ser voz de comando, não demonstre
incerteza gritando ou baixando demais o tom. Olhe nos olhos deles”.
Dia destes comentei que nossos
jovens estavam apenas cumprindo seu papel de juventude nos contrariando. E
quanto a este menino tão próximo, não vejo nada nele que seja diferente a fúria
que me fazia frequentar o Fórum Social Mundial com uma camiseta pintada por mim
onde o Bin Laden pisoteava as Torres Gêmeas. Nada diferente dos palavrões que
proferi em frente ao Palácio Piratini no início dos anos 2000. Tampouco o ódio
com que me referia àqueles que estavam me contrariando. Ele é eu há anos atrás.
Assim como eu era meus antecessores anos atrás, aceitando uma Ditadura para que
ninguém de nossa família fosse preso. E o pior: nenhuma paixão diferente da que
demonstrei quando achei que a Monarquia fosse uma saída; nenhuma ironia
diferente da que usei para apresentar um espetáculo que falava contra a ALCA; e
nenhuma indução diferente da que me levou a vociferar contra Collor (Que fique
claro: não sou tão velha, apenas comecei a incomodar cedo.).
Aliás, temos aqui outro ponto a
ser pensado: nenhuma Ditadura é igual a outra. A dos anos 60 no Brasil não
foi igual a dos anos 30 (Sim, meus amigos! Tivemos mais de uma Ditadura!).
A da Coréia do Norte não é igual à de Cuba, e por aí vai. Sendo assim,
obviamente nossa próxima Ditadura não será como a última. Aliás, Ditadura é uma
coisa que tem muito a ver com o conceito antropológico de humanidade: porque
ser igual se eu posso ser supremo?
Pode ser que a coisa toda tenha
dado errado no parquinho, quando aquele amiguinho empurrou nosso filho e
orientamos a empurrar de volta.
E aí pergunto de novo: quer dizer
que se existe um discurso que contraria o meu, ele automaticamente se torna um
discurso de ódio? Se ele é semelhante ao meu, não é mais de ódio (mesmo que use
as palavras “morte”, “terror”, “tortura”, “armamento” como ameaça a alguém)?
Deste jeito fico tão confusa quanto aos 16 anos.
Nos falta firmeza. Nos falta
certeza. Sempre nos faltou. E vejo isso diariamente em antigos companheiros que
ainda estão presos lá, há 20 anos atrás, xingando a mãe do Antônio Britto. Se
eles tivessem firmeza, saberiam que o ódio não tem lado e passariam a abolir ele
de seus discursos. E garanto: o ódio é tão traiçoeiro, que ele não precisa ser
exposto com palavras ameaçadoras. Ele pode vir através de palavras lindas que
carreguem confusão e distorção; muitas vezes piorando o caos já instaurado.
Mas equilíbrio é uma coisa que
vem com a maturidade. E tenho visto que isso não tem a ver com idade. O jovem
desafia o mais velho até as últimas consequências. Isso acontece até com outros
animais, com o ser humano não seria diferente. Se o jovem se deparar com um
adulto inseguro, ele vai tripudiar até assumir a liderança do bando, assim como
entre leões, sabem? E só depois quando vir as responsabilidades e a
complexidade desta relação é que vai entender que ponderar é preciso. Mas para
isso ele precisa sair da Caverna. E esta última afirmação merece outro texto.
Meus filhos não se interessam
tanto por Política quanto eu me interessava na na idade deles. Confesso que não sei se fico decepcionada ou tranquilizada.
Sei dos comentários que virão no melhor estilo "comigo não é assim". Antecipadamente peço desculpas pela terrível mania que tenho de observar a opinião pública num raio maior do que 5 metros de distância da minha própria pessoa.
- Carol... Por que diz isso? Trocou de lado, companheira?
- Não. Entre a Esquerda e a Direita eu escolhi ler.
Greve de professores em Porto Alegre. 1985. Foto de Luis Geraldo Melo. |