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quinta-feira, 17 de abril de 2014

A Terceira Carta - Parte VI (FINAL)

Dois meses depois, Jacob estava no campo de trabalho de Dachau. Estava bem mais magro e abatido, devido aos serviços forçados. Lá não havia conforto, nem proteção, nem amigos. No lugar da comida que Elka dividia com ele, uma ração de sabor salobre. Quando não havia ração, comiam sopa de papelão com água e sal. Pessoas adoeciam e morriam com a mesma velocidade com que os soldados SS traziam mais prisioneiros, todos os que contrariavam a “pureza e perfeição arianas”.
          Foi num dia chuvoso que um dos soldados puxou Jacob do meio da lama, onde empurrava um carroção com peças de metal. O soldado perguntou seu nome completo e olhou sua numeração tatuada no braço para ter certeza de quem era. Depois, levou-o para dentro de uma das salas da base. Lá, um oficial entregou um envelope a ele:
          - Olhe aqui, meu rapaz. Leve com você, e não conte para ninguém. Pode ter certeza que alguém pagou muito caro para que esta carta chegasse às suas mãos... E se alguém souber que entreguei, vou pagar mais caro ainda... E você vai pagar junto!
          Voltando ao alojamento, à noite, Jacob escondeu-se atrás de algumas caixas para ler o precioso documento.
“Querido Jacob.
Não sei se vai receber esta carta, mas mesmo assim, achei importante escrevê-la.
Gostaria que soubesse que não me arrependo de nada. Não me arrependo nem mesmo do silêncio que guardamos durante tantos anos.
Não me arrependo nem mesmo de ter cedido seu espaço em meu coração à outra pessoa, até o dia em que nosso sentimento fosse maduro o suficiente para transbordar.
Foi por um curto espaço de tempo, mas fui muito feliz ao seu lado.
Estou em um presídio comum em Nuremberg. Minha cidadania alemã e as dívidas que alguns políticos têm comigo fizeram com que eu não fosse para um dos campos de trabalho forçado, por conta de minha traição. Infelizmente, por você não pude fazer nada, mas vou tentar, prometo providenciar alguma forma para ajuda-lo a fugir de nosso país.
Meu amor, minha vida, sinto muito por esta incerteza de que vai amanhecer vivo. Queria que tudo isto acabasse agora, para podermos estar um nos braços do outro.
Porém, o amanhã a Deus pertence. A única certeza que devemos ter é de que errados foram os outros, por não entender que o amor não escolhe credo, raça, ou sexo.
Eternamente seu...
Franz”.

Elka estava na casa da mãe. A mansão onde vivera com Franz nos últimos dez anos agora era propriedade do governo alemão. Ignorava totalmente a existência de uma terceira carta, uma confirmação às outras duas de que o amor de Franz por Jacob era maior do que a guerra que agitava o mundo inteiro.
Às vezes pegava-se perguntando a si mesma em pensamento se havia sido ela a atrapalhar o amor daqueles dois homens, e não Jacob a ter atrapalhado seu casamento. Então preferia tentar esquecer.

Mas era impossível. Latejavam em sua mente duas imagens daquele amanhecer em que decidiu chantagear o rival: a do marido deitado ao lado de seu amigo judeu, aconchegando-o em seu peito, dormindo o sono dos que se amam exaustivamente; e a dos soldados SS destruindo o sótão, após um chamado seu.