O banheiro feminino é uma verdadeira fonte de informações e
de conhecimento acerca do ser humano.
Estranha afirmação, não? Para mim, não. Foi lá que escutei
colegas de trabalho das quais gosto muito chamando as meninas do colégio Anchieta de “burras que não queriam saber de estudar”.
Enquanto todos estão preocupados com a imagem de uma divisa
entre nádegas e coxas expostas pela cavidade da costura de uma peça de roupa;
deixam de reconhecer o rosto do presidente da Gerdau sendo conduzido a um interrogatório
na foto estampada na capas dos jornais. A bunda das meninas choca mais que a
organização político-social do Brasil, talvez até mais que o crescimento da
onda de violência no Estado do Rio Grande do Sul, que no ano passado teve seu
percentual de homicídios maior que o Rio de Janeiro e São Paulo.
Mas não é exatamente deste tipo de comparação que vim falar.
A questão é que as colegas que estavam conversando viram
quando saí de dentro do box do banheiro e tascaram um “tu não acha, Carol”?
E eu respondi como sempre respondo quando quero me esquivar:
“não, sei, cheguei lá e a velha já estava morta”. Não adiantou. Houve
insistência. “É sério Carol! O que tu acha disto”?
O que eu acho? Eu acho que um vestido longo não evitou que
um rapaz “esbarrasse” em mim na praça da Alfândega, no caminho para o trabalho
e me levantasse do chão encaixando as mãos dele em minhas nádegas em direção da
vulva (meu vestido longo também não evitou a surra que dei nele, mas este já é
outro ponto).
E o fato de eu ensinar à minha filha que ela deve respeitar
as regras da escola onde ela estuda e usar bermudas para ir à aula não evitou
que um colega a trancasse no banheiro e abusasse dela, que conseguiu sair
correndo e chamar um adulto. Respeitar normas é um questão que envolve até uma
percepção de teorias da Psicologia. Possuímos em nossa identidade social
diversas personas. Obviamente a Caroline esposa é diferente da Caroline
profissional, que é diferente da religiosa, que é diferente da mãe.
A persona estudante da minha filha usa bermuda e camiseta
para ir à escola. Mas isso não a protegeu de um abuso. E isto também não
protegeu o menino de ter sido abusado em casa e refletir isto na escola. Fato
que só ficou conhecido por que finquei pé na escola até que o Conselho Tutelar
fosse chamado para investigar o que estava acontecendo (O menino ia ser expulso
sem ninguém saber o motivo de seu comportamento – fácil, não?).
E voltando às meninas do Anchieta: a persona estudante delas
seja lá como estiverem vestidas não impediu que passassem por uma inspeção
diária em plena exposição diante de todos na escola. O que é degradante de
qualquer maneira.
Sendo assim, por que se preocupar tanto com um short, sendo
que o problema é bem maior que isto?
Silêncio no banheiro.
Retorno ao meu posto de trabalho. Encaro uma colega que com
delicadeza diz: “tu viu esta história do Anchieta? Não sei se sou quadrada ou
não, mas acho que elas estão erradas”.
Então respondo tão delicadamente quanto: “Tu não és
quadrada. É só tua opinião. Mas veja bem: trabalhamos em uma empresa com cento
e vinte anos de mercado. E hoje vim até aqui com um vestido com barra um pouco abaixo
dos meus joelhos. Tu achas apropriado”?
“Acho”.
“E se eu viesse vestida assim neste mesmo prédio em 1910”?
Silêncio na sala.
Precisamos do barulho destas meninas do Anchieta. Mas
precisamos deste silêncio reflexivo também.
Estamos passando por um período de transição. Chanel usou
calças quando isto era um escândalo.
Não podemos fechar os olhos e julgar como errado o
comportamento destas meninas, quando na verdade está tudo errado. O ser humano
deve respeitar o espaço do outro independente do gênero com o qual nasceu.