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domingo, 14 de janeiro de 2018

Sobre os jovens da Direita e o telefone sem fio

- “Depois do impeachment da Dilma, o valor do gás de cozinha subiu três vezes.
- Depois do impeachment da Dilma, o gás de cozinha ficou três vezes mais caro.
- Depois que o Temer tirou a Dilma, todos os combustíveis aumentaram o triplo, e ele tem um acordo com o Lula.
- O Temer tem um acordo com o Lula, que vai concorrer com o Bolsonaro para ver quem estabiliza o preço do gás de cozinha que sempre aumentava para o triplo do preço nos últimos 15 anos”.

Parece absurdo, mas é como funciona a brincadeira do telefone sem fio. Acordei pensando nisso hoje pela manhã. Domingo. Meus filhos e marido dormindo e eu pensando no que estaria piorando o caos em que já estamos inseridos. Na verdade, preocupação com um jovem muito próximo a mim.
Filho de pais amorosos, família educada e inteligente o menino resolveu defender o Bolsonaro.
- Mas Carol... Ele era um guri tão bom. – Diz uma amiga inconsolável, com lágrimas nos olhos.
- E continua sendo. – Respondo. – Até onde eu saiba ele não morreu.
- Mas para mim é como se fosse a mesma coisa. – Choraminga a amiga que lembro bem, no final dos anos 1990 gritava tal e qual a Vera Guasso (arquétipo-mito-rainha-senhora da política histérica, com todo respeito) nas ruas de uma Porto Alegre prestes a receber Olívio Dutra como governador, após o desastre Britto (e isso é um dos poucos sensos comuns para qualquer lado neste Estado: o governo Britto foi catastrófico). Eu sei que a descrição foi complicada e truncada, mas quem viu estes momentos entenderá. – Ele está usando discursos de ódio, fala mal das pessoas, diz que bandido bom é bandido morto, e que a esquerda merece ser tratada com força e que se for preciso impor a ordem por medo, terá que ser feito.
- (Chamei-a pelo nome, mas não citarei por motivos óbvios)... E se ele estivesse usando o mesmo tom para defender a esquerda? Teria algum problema para ti? Para mim teria.
Estamos diante sim de um caos social. E uma coisa devemos entender primordialmente: o ódio não tem lado. O ódio simplesmente existe. E é facilmente provocado. Quando começo este texto fazendo uma brincadeira de telefone sem fio, apenas descrevi o que presenciei com meus próprios olhos, timtim por timtim. E a partir disso, pergunto: a última frase dita na brincadeira é mais grave que a primeira? Termos três aumentos no valor do gás de cozinha em menos de um ano (época do ocorrido) já não é absurdo o suficiente? É preciso mesmo aumentar um ponto para ser convincente ao contar um conto? Não. A resposta é não.
Não sou psicóloga, menos ainda psicopedagoga. Mas uma coisa é certa: jovens precisam de segurança e não de confusão. Ora, quem nunca assistiu programas televisivos com fórmulas mágicas em educação dos pequenos? A principal: “Seja firme em suas decisões e mostre isso com a voz. Mantenha o equilíbrio para ser voz de comando, não demonstre incerteza gritando ou baixando demais o tom. Olhe nos olhos deles”.
Dia destes comentei que nossos jovens estavam apenas cumprindo seu papel de juventude nos contrariando. E quanto a este menino tão próximo, não vejo nada nele que seja diferente a fúria que me fazia frequentar o Fórum Social Mundial com uma camiseta pintada por mim onde o Bin Laden pisoteava as Torres Gêmeas. Nada diferente dos palavrões que proferi em frente ao Palácio Piratini no início dos anos 2000. Tampouco o ódio com que me referia àqueles que estavam me contrariando. Ele é eu há anos atrás. Assim como eu era meus antecessores anos atrás, aceitando uma Ditadura para que ninguém de nossa família fosse preso. E o pior: nenhuma paixão diferente da que demonstrei quando achei que a Monarquia fosse uma saída; nenhuma ironia diferente da que usei para apresentar um espetáculo que falava contra a ALCA; e nenhuma indução diferente da que me levou a vociferar contra Collor (Que fique claro: não sou tão velha, apenas comecei a incomodar cedo.).
Aliás, temos aqui outro ponto a ser pensado: nenhuma Ditadura é igual a outra. A dos anos 60 no Brasil não foi igual a dos anos 30 (Sim, meus amigos! Tivemos mais de uma Ditadura!). A da Coréia do Norte não é igual à de Cuba, e por aí vai. Sendo assim, obviamente nossa próxima Ditadura não será como a última. Aliás, Ditadura é uma coisa que tem muito a ver com o conceito antropológico de humanidade: porque ser igual se eu posso ser supremo?
Pode ser que a coisa toda tenha dado errado no parquinho, quando aquele amiguinho empurrou nosso filho e orientamos a empurrar de volta.
E aí pergunto de novo: quer dizer que se existe um discurso que contraria o meu, ele automaticamente se torna um discurso de ódio? Se ele é semelhante ao meu, não é mais de ódio (mesmo que use as palavras “morte”, “terror”, “tortura”, “armamento” como ameaça a alguém)? Deste jeito fico tão confusa quanto aos 16 anos.
Nos falta firmeza. Nos falta certeza. Sempre nos faltou. E vejo isso diariamente em antigos companheiros que ainda estão presos lá, há 20 anos atrás, xingando a mãe do Antônio Britto. Se eles tivessem firmeza, saberiam que o ódio não tem lado e passariam a abolir ele de seus discursos. E garanto: o ódio é tão traiçoeiro, que ele não precisa ser exposto com palavras ameaçadoras. Ele pode vir através de palavras lindas que carreguem confusão e distorção; muitas vezes piorando o caos já instaurado.
Mas equilíbrio é uma coisa que vem com a maturidade. E tenho visto que isso não tem a ver com idade. O jovem desafia o mais velho até as últimas consequências. Isso acontece até com outros animais, com o ser humano não seria diferente. Se o jovem se deparar com um adulto inseguro, ele vai tripudiar até assumir a liderança do bando, assim como entre leões, sabem? E só depois quando vir as responsabilidades e a complexidade desta relação é que vai entender que ponderar é preciso. Mas para isso ele precisa sair da Caverna. E esta última afirmação merece outro texto.
Meus filhos não se interessam tanto por Política quanto eu me interessava na na idade deles. Confesso que não sei se fico decepcionada ou tranquilizada.
Sei dos comentários que virão no melhor estilo "comigo não é assim". Antecipadamente peço desculpas pela terrível mania que tenho de observar a opinião pública num raio maior do que 5 metros de distância da minha própria pessoa.
- Carol... Por que diz isso? Trocou de lado, companheira?
- Não. Entre a Esquerda e a Direita eu escolhi ler.

Greve de professores em Porto Alegre. 1985. Foto de Luis Geraldo Melo.