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terça-feira, 19 de agosto de 2014

Sobre meu espelho

Parecia prata...
...mas era apenas o tempo.

Caroline Garcia

Imagem retirada do Google Images

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ave Sonora - Parte I

"Ave não chora pois se agora somos só dois
Vai ver depois seremos mil
Ave não chora que sem demora
Em um segundo conquista o mundo nosso assobio"
                                         João Chagas Leite - Músico Gaúcho




- Te acalma, mãe, ninguém vai ler a minha mente. – Acabou com uma conversa nervosa com a mãe, que questionava a amizade da moça com alguns estudantes cabeludos e barbudos.

- Minha filha, tu sabe que mulher que pensa demais incomoda.

- Isso era o que a vó pensava, e agora tá lá, morta e enterrada no cemitério da Santa Casa, sem ter sido nem feliz com a vida medíocre que ela levava com o vô.

A mãe apenas balançou a cabeça e voltou a lavar a louça.

Clara vivia entre rixas e discussões com a jovem senhora que há pouco ficara viúva de um marido autoritário como o próprio pai era. Por isso a menina começara a fumar escondida embaixo do porão, onde ouvia as músicas de Chico Buarque sem risco algum. O mesmo porão onde descobrira o sexo com seu amigo Otávio, em uma noite quente de verão, enquanto os pais estavam de férias em Cidreira. Nunca mais tocaram no assunto, mas ela parecia ainda sentir o cheiro daquele momento vivo em suas narinas, toda vez que lembrava.

- Sabe, mãe, não quero acabar que nem tu, com a barriga na frente de uma pia, lavando louça. – Comeu mais uma mordida de pão.- Quero viver minha vida do meu jeito. E não tem mal nenhum dizer o que a gente pensa.

Enxaguou a xícara em que estava tomando café, fazendo a mãe chegar um pouco para o lado. Beijou a testa da mulher rápida e automaticamente despedindo-se, estava indo trabalhar.

O caminho era sempre o mesmo.

Passava pelo centro da cidade com o jornal embaixo do braço, sob a roupa.

Clara não era de se intimidar. Caminhava com passos apressados como se fosse apenas mais uma trabalhadora do comércio na região. Mas tinha algo que a diferenciava dos outros. Algo muito peculiar: a coragem de pensar, mesmo que não fosse permitido.

O dia estava um pouco nublado, era fim de abril. Vestida com um casaco comprido, porém leve, que batia com a barra nos joelhos dela, Clara estava aquecida o suficiente para não sentir nenhum desconforto, e de certa forma até admirava a beleza morta das árvores da capital em um dia de outono. Seu porte pequeno dera o apelido com o qual Otávio se referia a ela: “a Baixinha isso, a Baixinha aquilo”. E ela nem era baixinha. Ele é que era alto, segundo ela mesma dizia para se defender. Tinha os cabelos volumosos, com uma cor melada, cacheados quase crespos, que prendia com uma faixa na altura da testa, sempre com cores que combinassem com sua roupa. Eram compridos e cobriam metade de suas costas.

Próxima ao muro que separava a avenida do rio que alguns estudantes afirmavam de pés juntos que era um lago (O que não fazia diferença nenhuma para Clara, pois para ela rios ou lagos são todos depósitos de água; e água é sempre água.), ela atravessou a rua. Caminhava pelo costado de um prédio amarelo, com uma grande porta fechada, próximo ao Banco. Foi então que sentiu um leve toque de mão em seu ombro esquerdo.

Olhou para trás. Era um homem estranho. Usava óculos escuros e tinha uma barba cerrada, com cara de poucos amigos.

O mesmo fez um sinal com a cabeça indicando a rua ao lado. Não podia se opor. Estava sozinha com o homem, e as pessoas chegavam muito aos poucos para trabalhar. Indo pela rua oposta à direção do mercado onde trabalhava, Clara parecia tensa, e o homem não saía de seu lado.

Depois dos minutos de silêncio mórbido que acompanhara a caminhada dos dois até a porta pela qual ele indicou que entrasse, ela viu que um casal caminhava próximo a eles.

- Meu nome é Ana Clara Fonseca de Moraes! – Clara gritou o mais alto que pode, chamando a atenção dos dois. - É vinte e um de abril de mil novescentos e setenta e cinco! Trabalho no...

E ia continuar gritando informações sobre si, se o homem não a tivesse empurrado para dentro.

- Espertinha, hein? Não vai adiantar de nada, tu sabe disso. – Ele tinha um sorriso sarcástico.

O homem a conduziu por um longo corredor, entrou em uma saleta, a colocou com força sentada em uma cadeira. Enfiou a mão dentro de sua roupa e de lá arrancou o exemplar do jornal que carregava todos os dias. Jogou na mesa. Outro homem, um pouco mais velho que aquele pegou o exemplar e admirou a capa.

- Interessada em saber sobre a vida do nosso presidente, menininha? – O homem era irônico. – Ou mais interessada em xerocar essa pôrra e distribuir na faculdade?

- Eu não sei do que o senhor está...

- Cala a boca que quem fala aqui sou eu! – Ele bateu na mesa. – Todos sabem que esta é uma pergunta retórica. Tanto estudo pra nada... não tem medo?

- Não tenho do que ter medo.

- Eu penso o contrário...

Aquela manhã seria igual a qualquer outra, não fosse o soco no nariz que fez a visão de Clara escurecer e tudo se apagar.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A Terceira Carta - Parte VI (FINAL)

Dois meses depois, Jacob estava no campo de trabalho de Dachau. Estava bem mais magro e abatido, devido aos serviços forçados. Lá não havia conforto, nem proteção, nem amigos. No lugar da comida que Elka dividia com ele, uma ração de sabor salobre. Quando não havia ração, comiam sopa de papelão com água e sal. Pessoas adoeciam e morriam com a mesma velocidade com que os soldados SS traziam mais prisioneiros, todos os que contrariavam a “pureza e perfeição arianas”.
          Foi num dia chuvoso que um dos soldados puxou Jacob do meio da lama, onde empurrava um carroção com peças de metal. O soldado perguntou seu nome completo e olhou sua numeração tatuada no braço para ter certeza de quem era. Depois, levou-o para dentro de uma das salas da base. Lá, um oficial entregou um envelope a ele:
          - Olhe aqui, meu rapaz. Leve com você, e não conte para ninguém. Pode ter certeza que alguém pagou muito caro para que esta carta chegasse às suas mãos... E se alguém souber que entreguei, vou pagar mais caro ainda... E você vai pagar junto!
          Voltando ao alojamento, à noite, Jacob escondeu-se atrás de algumas caixas para ler o precioso documento.
“Querido Jacob.
Não sei se vai receber esta carta, mas mesmo assim, achei importante escrevê-la.
Gostaria que soubesse que não me arrependo de nada. Não me arrependo nem mesmo do silêncio que guardamos durante tantos anos.
Não me arrependo nem mesmo de ter cedido seu espaço em meu coração à outra pessoa, até o dia em que nosso sentimento fosse maduro o suficiente para transbordar.
Foi por um curto espaço de tempo, mas fui muito feliz ao seu lado.
Estou em um presídio comum em Nuremberg. Minha cidadania alemã e as dívidas que alguns políticos têm comigo fizeram com que eu não fosse para um dos campos de trabalho forçado, por conta de minha traição. Infelizmente, por você não pude fazer nada, mas vou tentar, prometo providenciar alguma forma para ajuda-lo a fugir de nosso país.
Meu amor, minha vida, sinto muito por esta incerteza de que vai amanhecer vivo. Queria que tudo isto acabasse agora, para podermos estar um nos braços do outro.
Porém, o amanhã a Deus pertence. A única certeza que devemos ter é de que errados foram os outros, por não entender que o amor não escolhe credo, raça, ou sexo.
Eternamente seu...
Franz”.

Elka estava na casa da mãe. A mansão onde vivera com Franz nos últimos dez anos agora era propriedade do governo alemão. Ignorava totalmente a existência de uma terceira carta, uma confirmação às outras duas de que o amor de Franz por Jacob era maior do que a guerra que agitava o mundo inteiro.
Às vezes pegava-se perguntando a si mesma em pensamento se havia sido ela a atrapalhar o amor daqueles dois homens, e não Jacob a ter atrapalhado seu casamento. Então preferia tentar esquecer.

Mas era impossível. Latejavam em sua mente duas imagens daquele amanhecer em que decidiu chantagear o rival: a do marido deitado ao lado de seu amigo judeu, aconchegando-o em seu peito, dormindo o sono dos que se amam exaustivamente; e a dos soldados SS destruindo o sótão, após um chamado seu.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A Terceira Carta Parte V

Ao amanhecer, quando foi vestir-se, juntou o paletó de Franz do chão e não resistiu a revistar os bolsos. E foi em um deles que encontrou uma segunda carta:
“Amado...
Temos que ter muito cuidado para que ninguém saiba de nada, não deixe de ser presente em seu lar. Depois daquele bilhete que deixei no casaco que me emprestou, cheguei à felicidade plena em saber que nosso amor era recíproco há tanto tempo.
Coragem, meu querido. Temos que ter toda a coragem do mundo para continuarmos sendo felizes. Esta mesma coragem que nos uniu, deve dar continuidade e descrição ao nosso sentimento.
Um dia, talvez seremos livres, mas por enquanto vigia.
Seguirei eternamente te amando”...
            Aquilo já era demais! Além de tudo o que dizia a carta, exibindo com clareza o fato de Franz falar nela para a amante e da distância que mantinha os dois afastados; a desgraçada ainda usava emprestados os casacos que ela mesma mandava lavar e perfumar a seco!

            Foi então que passou-lhe uma ideia nebulosa na cabeça. Na sociedade hipócrita em que viviam, ninguém condenaria Franz por adultério, mas a mulher em questão pagaria um alto preço por ter-se oferecido ao seu homem. Certamente, Jacob não se negaria a informar quem era ela... ainda mais se ameaçasse entrega-lo à Gestapo. Vestiu-se e subiu rapidamente ao sótão.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Aprendendo a ser mãe I

Eu já fui mãe de muita gente.

Já interpretei uma mãe que de tão ruim, mandou chamar o veterinário quando seu filho adotivo adoecera num espetáculo chamado “O Menino Diferente” (Fontes Produções, 2003). Já interpretei uma mãe excessivamente preocupada, em “O Menino do Dedo Verde” (Fontes Produções, 2009). Já interpretei até uma mãe de 105 anos, que era os olhos que tudo viam em uma fazenda nos tempos de escravidão em “Allahu-Akbar” (Fontes Produções, 2002). Já interpretei uma matrona açoriana, chegando em Itapuã no século XVIII com filhos e netos (Fontes Produções, 2003). Já interpretei a mãe de um padre que foi possuída por demônios em “A Casa das Sombras” (Fontes Produções, 2005/6). Já interpretei uma mãe caipira, bonachona e histérica em “O Casamento na Roça” (Cia. do Riso, 2004). Sabem que eu já interpretei até a mais famosa das mães? Em uma fase mais despreocupada, Maria paria o menino Jesus em um Auto de Natal (Fontes Produções, 2004). Em uma fase muito mais pesada e dolorida, Maria assistia à crucificação do mesmo menino Jesus já crescido em uma Paixão de Cristo (Fontes Produções, 2006).

De todas estas mães, poderia retirar duas conclusões: a primeira é “Nossa! Trabalhei um bom tempo com esta tal Fontes Produções!”. A segunda é a de que poderia ter aprendido a ser mãe antes mesmo de ter meus filhos de verdade, já que um nasceu em 2004 e o outro em 2005.

É muito engraçada esta relação que tenho com meus ex-colegas de teatro (pois faz mais de 6 anos que não coloco os pés em um palco): lembro do rosto de cada um deles e de como me olhavam nestes períodos. Embora fossem todos “marmanjos” e “marmanjas” (Uma das atrizes que trabalhou comigo “conseguiu” ser minha filha em três espetáculos diferentes! E dois outros atores eram homens com mais de 1,90m e voz bem grave, imaginem...), lembro exatamente de como cada um deles me chamou de mãe.

Lembro também do que mais me marcou. Quando interpretei Maria na Paixão, Mel Gibson havia lançado há um ano a sua versão da história. E foi na Maria criada e dirigida por ele que me apoiei. E como foi difícil! Assisti ao filme com meu filho mais velho em meu colo, pois ele havia acordado no meio da noite em que eu estava fazendo um laboratório, e eu havia o feito dormir novamente. Quando vi Maria enxergando no homem que carregava a cruz o mesmo menino que caía e “ralava” o joelho, e se dando conta de que agora não poderia ajudá-lo a levantar do chão, chorei por um bom tempo olhando para meu filho. Entendi que por mais que cresçam, os filhos continuam sendo os mesmos meninos e meninas para nós, mães. Já havia ouvido muitas mães falarem isto, mas até ali, não havia vivenciado. E não adianta: há coisas que só entendemos vivenciando. Quando o espetáculo acabava, não íamos até a ressurreição. A última cena era a retirada do corpo da cruz e a entrega dele em meu colo. Estava sentada no chão, amparada por outros personagens. Deitavam meu colega em meu colo e eu enchia seu rosto de beijos. Beijos desesperados de uma mãe que não conseguiu “juntar” seu filho quando ele caiu. A cortina fechava e ficávamos ainda um bom tempo abraçados chorando. Foi uma experiência muito forte.

Não sei exatamente o que dela ficou em mim. Às vezes acredito que tenha sido uma boa dose de desespero. Talvez uma ansiedade muito grande. A ânsia de impedir que um filho venha a cair, para que eu não precise passar pela experiência de não poder juntá-lo.

Talvez minha preocupação seja justamente por saber que todas as mães, e provavelmente eu também, em algum momento não conseguem juntar seus filhos, e as caídas são inevitáveis. Nem minha própria mãe conseguiu: quando tive que levantar de meu maior tombo, o fiz sozinha. De certa forma, penso que um dia terei que me conformar com isso.


Mas isto dói. E como.


As duas fotos da Pietá de Michelângelo que coloquei na postagem extraí do Google. Não sei quem são os autores. Se alguém souber, peço que por gentileza me informe nos comentários, para que eu possa editar a postagem com as informações de autoria.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Tipo Andrade


Blind mans bluff 1803


Ana amava Fernando, mas achava que ele amava Joana:
- Que chance eu teria...? Eles parecem tão íntimos.


Em outro lado do bairro, em uma mesa de chá, Fernando chorava as mágoas para Joana:
- Mas a Ana nem olha para mim!


Assim... quase tipo Andrade, mas não exatamente igual, saca?

Caroline Garcia

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Meninos ucranianos

Não quero links, não quero mostrar nada. Absolutamente nada.

Estava lendo o site Minilua. Lá, uma foto lateral chamou minha atenção. Falava sobre a situação triste de crianças na Ucrânia. Abri o link.

Não vou reproduzir as fotos. Não é este meu intento. Não gosto de sensacionalismo nem profissionalmente, muito menos intimamente. Infelizmente vivemos no que chamamos de "Sociedade do espetáculo". Onde podemos assistir a desgraça alheia, e em um clique após dizer "coitadinho", fugir da realidade.

Há pessoas da minha convivência que se questionam sobre como sobrevivi a certas situações que elas consideram extremas. Mas elas sabem apenas o que contei. Na verdade, nunca vivi nenhuma situação extrema. Caminhei aproximadamente sete quilometros na chuva por não ter como pagar o ônibus, sem proteção nenhuma para fazer a prova do ENEM. Passei, estou prestes a me formar como bolsista. Roubei chuchu na cerca da vizinha para ter o que comer alguns meses antes disso acontecer. Estava amamentando meu filho praticamente desmaiada quando o pai dele chegou em casa. Tenho pressão baixa e chuchu não faz muito bem para pessoas como eu. Sofri violência psicológica, o que resultou em um divórcio. Me reergui do nada, várias vezes. e me reergo de novo, se for necessário.

Isto é o que eles sabem, e já ficam chocadas. E se um dia descobrirem que testemunhei contra um pedófilo ao descobrir que uma menina em uma das creches que eu trabalhei estava sendo abusada? Sim, eu estive frente a frente com ele, e não piquei nenhum pedacinho do seu rosto.

E se descobrirem que ensinei uma menina de treze anos a tomar banho em bacia depois de descobrir que na sua casa não havia água encanada?

Que vesti meu moletom em um menino de seis anos para o qual tive que colocar no colo para dar aula, na intenção de aquecê-lo (Naquele dia voltei com frio para casa, mas a sensação foi única.)?

Que segurei a língua de um menino que estava tendo uma overdose?

Que fui em boca de fumo exigir um aluno meu de volta gritando com o traficante em questão "Nos dias em que eu der aula ele é meu, nos outros ele é teu, e vamos ver quem é que ele escolhe!"? A partir deste dia o homem mandava o menino ir pra escola antes de ir para o "trabalho".

E o dia que fui escoltada pra descer o Morro da Cruz sob fogo cruzado? Cabuloso!

Sabem quanto eu ganhava para sustentar meus filhos neste período? 80 reais por mês, numa época em que o salário mínimo era de 400. O resto, arranjava fazendo uma performance de teatro aqui, outra alí. Não se enganem, meus amigos, artista fora da televisão é pobre.

Não é meu intuito também exibir proezas. Até porque o que contei não é proeza. É apenas minha obrigação. Na verdade a obrigação de todos nós.

Conheço um homem que me contou que muito se molhou na chuva sendo levado pela mão por sua mãe, em condições extremas. Começou a trabalhar aos sete anos, vendendo jornais. Não digo quem é, nem o que faz por respeito, mas posso dizer que hoje está muito, mas muito bem. Chorei ouvindo sua história, porque é muito parecida com a dos meus filhos, que não precisaram trabalhar tão cedo, mas estão aprendendo o valor das coisas comigo. Tenho certeza que este homem não fez o que fez sozinho. Sempre temos alguém que dobre nosso paraquedas. Lembram daquele email que ninguém lê até o final? Pois é, leiam e entenderão. Assim como estenderam a mão para ele, estenderam e estendem para mim; e eu estendo para outro, em gratidão a quem me estendeu.

Estou extremamente chocada com as fotos que vi, retratando o cotidiano dos meninos abandonados na Ucrânia. O que me choca mais ainda é saber a sensação que o fotógrafo deve ter tido. Ele também estava cumprindo sua obrigação como pessoa. Podemos não ter dinheiro, mas miséria vai muito além de não ter dinheiro. A miséria da alma é muito mais assustadora e sedimentada.

Minha mãe é kardescista. Minha família é. Um dia ela me disse que devemos cumprir nossa obrigação com nossos filhos primeiro, e que haviam desgraças que aconteciam com as pessoas por conta de coisas que elas mesmas fizeram. Acredito nisto. Mas assim como ela, acredito que nós todos estamos aprendendo. Consequentemente, se estes pequenos estão aprendendo com a dor, eu estou aprendendo com a indignação por vê-los assim, e ainda mais com a coragem de fazer alguma coisa. Isto é o que dá forças à minha mãe, por exemplo, mesmo cansada, prestar trabalho voluntário também.

Mas é tudo tão complicado. Não é uma doação, nem simplesmente arrastar um menino ucraniano para um abrigo que vai resolver. Nem um prato de comida. Naquelas condições, o corpo não sente fome, nem frio. Talvez nem dor.

Meu Deus! Eles são muito parecidos com meu filho. E podemos sentir todo o sofrimento em suas expressões nas fotografias.

Talvez nem escrever este texto ajude, mas preciso vociferar este tipo de coisa, sabendo que tenho acessos de várias partes do mundo, mesmo que não comentem nada.

Todas as noites agradeço à Deus(a) por ter me dado forças para garantir dignidade aos meus filhos. Poderia ter fraquejado como os pais destes meninos. Existem coisas (boas e ruins), que só podemos explicar com o divino. Quando os vejo deitados em camas limpas, alimentados, e recebendo educação, mesmo que com a dificulade de minha falha presença muitas vezes; só consigo explicar com a presença de um Deus(a) que não é bom. É justo.

Não consigo ver a humanidade como se não fosse uma família gigantesca. Queria poder me multiplicar e segurar cada um deles no colo. Juro. Não tenho por que querer impressionar alguém.

Mas posso pedir um favor: que cada pessoa que ler isso se torne uma extensão dos meus braços. Também imagino que isso não vai dar certo, mas se um atender, já será a margem que as estatísticas prevêem.

Um dia, meus filhos queriam deixar uma lata de refrigerante pela metade em uma calçada para que um mendigo pegasse. Não permiti. Ensinei a eles que se quiserem dar algo a alguém, que fossem ao mercado, comprassem um lanche limpinho e dessem. Isso é dignidade. Ninguém precisa viver de restos.

Pode existir um "menino ucraniano" ao lado da sua casa, sabia? Não é necessário viajar a Ucrânia para fazer algo.

Estes meninos vão desencarnar e ser substituídos, e não falta muito tempo. Se verem as imagens entenderão. Não sabemos onde terão suas próximas chances, então se melhorarmos as condições por aqui, estaremos preparados para recebê-los de braços abertos, caso nos escolham. A vida é feita dos atos de cair e levantar diariamente. É assim com o plano divino, também.

Uma oração? Talvez. Na verdade chamo isso de fé, de amor, de esperança.

Esta foto retrata uma pessoa que foi salva do abandono por um casal em melhores condições que seus pais biológicos.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Contos de Fada = verdade

Essa vem lá da minha intimidade profissional.

Tenho uma grande frustração na minha carreira como atriz de teatro. Gosto de vilãs. Um gosto especial, mesmo. Até hoje, meu papel favorito foi o da Rainha de copas em Alice no País das Maravilhas. Antes era interpretada pela minha fantástica amiga e eterna colega Gabriela Schaurich (Da minha Rainha tenho foto apenas no meu celular, que está sem cabo, no site da Gabi tem ela como Rainha, depois como Alice, enfim... o interessante é que comecei como Coelho Branco, passei até como Chapeleiro Maluco. A gente se reveza muito neste meio. Se olharem todas as fotos, mais abaixo, nas fotos do musical "O Menino do Dedo Verde", verão uma mulher de estola cor de rosa. Sou eu. Do lado a Gabi, de arauto - um arauto fodástico, diga-se de passagem; pois virava vários personagens em cena. Alí eu era a Srª Mamãe - quem leu o livro de Maurice Druon vai saber que sou diferente dela fisicamente, mas era uma adaptação livre e virou cômica, como todos os espetáculos infantis em que colocam a Gabi e eu juntas.).

Representar uma vilã não é tarefa fácil. Alí tu coloca para fora tudo aquilo que tua mãe te ensinou que era feio. Tu pode ser incorreto sem medo. Pode ser ridículo e se dar mal sem temer. Depois se sente uma pessoa bem melhor, pois em ti ficou apenas o que era bom... não é algo incrível? Sinto muita falta do palco, e principalmente das vilãs que eu fazia.

Minha maior frustação é a Madrasta da Branca de Neve. Até meu perfil no facebook tem uma ilustração dela. Sempre quis ser a Rainha. Fiz vários testes na época de teatro estudantil. Mas uma barreira me separava dela: meu rosto. Sim, meu rosto branco e redondinho, a boca vermelha em formato de coração e o cabelo chanel tão escuro que uma vez perguntaram se minha mãe pintava. Não dava outra: "Branca de Neve nela!", diziam as professoras. E daí lá ia eu fazer a cara de paisagem da personagem que acho mais inssossa no mundo (Por coincidência, a Gabi está interpretando ela na direção do Zé Rodrigues, atualmente, sem muita inssossidade* - vale conferir, meus filhos adoraram ver a tia Gabi imitando o ó,ó,ó,óóóóóó...kkkk!).

Cresci e trabalhei por alguns anos profissionalmente. Certa vez bati boca com um diretor que queria que eu fizesse contação de histórias vestida de Branca de Neve. "Mas por que não pode ser a Rainha contando a História e como se deu mal?... Vai ser até pedagógico!" Já estava até fazendo beicinho para convencê-lo. "Tá doida, guria? Tu é a cara da Branca de Neve! Agora vai lá, coloca o vestido, pega uma maçã, deita e acorda quando o monitor te der um beijo." E eu fui, bufando.

Nem minha sobra de peso fez com que me livrasse da Branca de Neve. Isso é um absurdo; mas é real.

Daí contei toda esta história, e ninguém tá entendendo nada, estão achando que estou em um momento choradeira. Pois então.  Para me formar em Magistério estudei fundamentos da Literatura Infantil. E além de adorar interpretar vilãs (Aqui falei da que fiz em espetáculos infantis - entre outras que não citei - , mas fiz umas em espetáculos adultos que me ralavam toda, mas adoooourava!), adoro os Contos de Fada e seus fundamentos. Na verdade são contos bem pesados, que graças ao gênio Walt Disney viraram referência na ludicidade infantil (pronto, agora baixou a professorinha - preparem-se!).

As estórias que Andersen e os Grimm contam são bem diferentes. E estou achando extermamente interessante que o cinema está resgatando certos elementos a respeito.

Vou postar o pouco que sei aqui, nos próximos dias.

*Essa palavra existe? Se não existe, inventei agora.

Olha que bonitinha, era assim que eu ficava! Até o narizinho é parecido... (Tirei de outro blog.)

sábado, 1 de outubro de 2011

Paz


A paz pode estar na escuridão...




Desde a última folha do eucalipto mais alto que parece tocar o negro céu...



...Até o silêncio da lua refletida nas águas.





terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O homem não é Homem...




Luísa era mulher comum. Embora não fosse uma deusa escultural, chamava a atenção por onde passasse por ser dona de uma beleza que fugia dos padrões. Além disso, conforme a maioria dos homens que já haviam se relacionado com ela, direta, ou indiretamente diziam, era uma pessoa muito inteligente; e isto os inspirava medo. Ela não sabia disto, até o dia em que um deles explicou por que estavam separando-se. Não era muito jovem, mas também não muito madura. Porém, encarava os fatos do seu cotidiano com uma certa dose de força que às vezes assustava as mulheres também.


Um dia, Luísa decidiu que não seria de mais ninguém. Não se dedicaria por inteiro a nenhuma amizade específica, trataria todos os amigos de igual forma. Assim, nunca estaria só, quando um destes faltasse a uma festa, por exemplo. Se quisessem confiar nela, que confiassem, ela não os decepcionaria. Mas não confiaria em mais ninguém. E assim seria com os homens; desde o pai, até o ex-marido. Quem garantia que quando faltava o dinheiro mísero de uma pensão alimentícia, não era por ter sido gasto em uma noitada com uma sirigaita? Realmente, não dava para confiar em seres que pensassem mais em sexo do que em matemática.

Mas ela tinha dúvidas. Às vezes alguns homens eram tão gentis diante dela, que não sabia se deveria enxergá-los desta forma.

Luísa trabalhava em uma função onde a maioria dos seus colegas eram do sexo masculino, e as pessoas que atendia na empresa também. Até se perguntava por quê os homens dominavam aquela área. "Por serem mais frios e calculistas"; respondeu seu superior, um homem, passional como todos aqueles que já haviam adormecido com cara de criança em seus braços.

Dúvida cruel. Ele estava afirmando, com toda a segurança de quem acredita ser dono do "sexo forte".

Naquela tarde, visitaria um cliente da empresa, conforme este havia solicitado, alegando não ter tempo disponível para tratar de negócios fora de seu escritório.

As palavras do gerente latejavam em sua cabeça, e além de duvidar existir um homem que não fosse passional, se perguntava se a classe social ou a função exercida mudavam alguma coisa no interior dos seres que segundo algumas pessoas, vieram de Marte. Está certo, alguns cheiravam melhor que os outros, dependendo do seu grau de vaidade e exposição. Alguns falavam mais baixo, ou abriam portas de carro. Uns deixavam que a colega de trabalho servisse seu próprio café, enquanto outros particamente não permitiam que ela levantasse de sua mesa.

Luísa estava vestindo uma camisa branca. O primeiro botão aberto. Sempre deixava os primeiros botões de camisas abertos, não por querer chamar atenção, mas por se tornar um decote não tão profundo, porém, não tão fechado. Ao ponto de chamar mais atenção para seu colo, conforme uma revista feminina aconselhara a pessoas que tivessem o tipo de corpo que ela tinha. Mas dos seus fartos seios, nada ficava a mostra.

Na rua, passou por um entregador de materiais de construção, a trabalho. Sujo de cimento e suado. Ao passar por ele, ouviu a frase "Tá valendo!"; dita quase aos berros, acompanhada dos risos do motorista do caminhão, que gritou um "Gostosa", logo atrás. A rua era de baixa transitação. A única mulher que estava por alí era ela. "Estes peões de obra são todos assim...", pensou ela, segura de que seria tratada de forma diferente pelo conceituado advogado do qual adentraria o escritório sofisticado.

Subiu os andares de elevador. Tocou a campanhia. O cliente atendeu à porta, já se desculpando por estar sozinho no escritório, a recepcionista estava doente. Puxou a cadeira para que ela se sentasse.

"Aceita um café?"

"Aceito, sem açúcar, por favor..."

"Então, se me der licença, estou sozinho, vou ter que pegar na cozinha."

E retirou-se. Ele era diferente do entregador. Nunca gritaria. Estava perfumado e alinhado. Voltou com as xícaras em uma bandeja. Serviu-a sem esquecer dos lados que a etiqueta manda alcançar algo a quem é servido.

Longa conversa, dúvidas desfeitas; ela puxou o contrato da pasta. Alguns campos eram preenchidos a mão. Ela baixou os olhos e escreveu.

Quando ergueu a visão deu de cara com um homem hipnotizado por um primeiro botão de camisa aberto.

"Doutor Alberto...? Alberto...?"

"Desculpe, estava distraído..."

"Por gentileza, o número do seu registro da OAB..."

"Só um minuto...vou ver na minha carteira...esqueci."

Os olhos dele haviam gritado. "Tá valendo...gostosa!"...ela saiu de lá com uma única certeza: a comprovação de uma frase que havia ouvido uma vez, não lembrava onde...:"homem não é Homem, é bicho."



Originalmente escrito e postado em Recanto das Letras em 24/09/2008.


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Retorno da Águia

Que a águia é um belíssimo pássaro, quase ninguém duvida. Que tem uma capacidade muito grande de resistência, duvidamos menos ainda. Mas que faz as vezes de fênix... bom, daí já é de se comprovar.


A águia, por ser uma ave de rapina, tem olhos que tudo enxergam, e uma astúcia de dar inveja à raposas.

De cima de um estandarte seguido por guerreiros romanos, a águia viu Júlio César tomar aos poucos o Egito, há milhares de anos atrás. Viu também as furtivas visitas de Marco Antônio à cama da rainha que dividindo suas paixões entre seu governo e o homem que representou uma das tantas traições contra o líder divino romano, preferiu à morte a ver a ruína de seu império. E viu Otávio sendo obrigado a casar-se com a prima Otávia, e Brutus dando a punhalada de misericórdia no próprio pai.

De dentro das medalhas que reluziam no uniforme dos oficiais do exército alemão, a águia viu nações serem dizimadas por uma doença irremediável: o desejo pela supremacia. Viu muçulmanos e judeus jogados todos no mesmo balaio de gatos a serem mortos pelos dobermanns do furher. Viu um bunker e seus habitantes sendo destruídos pelo orgulho de nunca serem pegos pelo inimigo... que ironia. Inimigo que vinha acompanhado de uma outra águia.

Existe uma teoria espiritualista que diz que a reencarnação não é individual. Segundo ela, as civilizações extintas trariam seus habitantes de volta. Talvez seja assim que a águia ressurja das cinzas, sobre a cabeça de seus líderes.

Engraçado... ainda não tenho informações de como as águias reagem quando alguém cisca em seus ninhos...

E menos ainda sobre qual vai ser a opção do velho faraó. Serpentes? Veneno? Retirada estratégica? A bala que pode retirá-lo do poder para colocá-lo na História?

Estando o faraó certo ou errado, vale lembrar que temos novamente duas águias em questão: a águia da liberdade, e a cabeça do Deus egípcio Hórus... que embora seja o deus Sol e do Céu, é filho de Osíris, a própria morte.

Saiba mais:
http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=253898

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Nut e Geb, a lenda egípicia da concepção do homem pelo Céu e a Terra

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

As verdades de 2009

É interessante como vamos descobrindo verdades e mentiras que nossos pais ou professores nos contaram conforme o tempo vai passando. Sabemos que as intenções eram as melhores, ou era para não nos assustarmos, ou ainda para sobrevivermos num mundo cada vez mais cão.
Só que este ano que passou me trouxe algumas informações muito valiosas, e quem sabe 2010 seja mais valioso ainda...
1- A fórmula para a beleza feminina é ser magra e andar cruzando as pernas.Mentira. Gosto é que nem escova de dentes (para não usar outra palavra...), cada um tem o seu.
2- Homens começam a apresentar problemas de disfunção sexual após os 40 anos.Raciocinem comigo: se a mulher conforme vai amadurecendo conhece melhor o próprio corpo, e consegue chegar ao ápice sexual mais rapidamente do que na juventude, por que condenarmos os homens? O que deve ser condenado é a superficialidade das relações atuais (isto quando elas existem...) , e não o tempo que cada organismo leva para se manifestar!
3- A população confia mais nos bombeiros do que em qualquer órgão.Pára o mundo que eu quero descer! Se a situação é caótica demais em um subúrbio, e a população ameaça uma autoridade (como por exemplo o secretário de obras) qual é a frase que utilizam? “Vou chamar o B... Geral, ou o Diário G..., ou o Diário de Viamão!”... Convenhamos, os primeiros a serem chamados quase nunca são os bombeiros (Cuidado, no dia em que os jornalistas tiverem mangueiras... sem comentários.).
4- A imprensa mente.A informação muitas vezes é considerada moeda de troca... E quem paga o salário?
5- O MST é formado por uma corja de vagabundos.Quem diz isso é por que nunca entrou num assentamento. Será que um dia a população vai se tocar de que nem sempre todas as maçãs de um pomar são saudáveis? Existe um grupo de pessoas interessadas em reforma agrária, e estas se enquadram em algumas regras e acomodam suas famílias, para trabalhar nas terras que passam a lhes pertencer ( E tem até um assentamento vertical em Porto Alegre. Quando vi achei o máximo. O pessoal invadiu um prédio abandonado pelo governo, e transformou em um reduto residencial e cultural, ganhando na justiça o direito de ficar.). Não adianta generalizar. Antes de usar a força numa reintegração de posses, é necessário ver quem está por trás do cercado. É importante separar o joio do trigo... ah, esqueci, isso quem deve saber fazer é agricultor, né?
6- Todos os políticos mentem, ou prometem o que não podem cumprir.
Em partes. Tem alguns que sempre depois de seu discurso, ou conversa, falam: “não prometo nada...”. Mas aí, a população, já acostumada com antigos moldes, nem ouviu a última frase, e já virou as costas. Depois vem cobrar, se não aconteceu o que foi solicitado. Erro fatal de interpretação.
7- Para construir uma carreira profissional sólida, é necessário engolir sapos.Verdade, verdade, verdade... se tu tá sofrendo com teu emprego, mas tem um objetivo...aguenta! Tu vai chegar lá!
Talvez, se observarmos melhor a nossa volta, vamos encontrar muitas outras verdades e mentiras. Basta não olharmos apenas para nosso próprio umbigo. Aliás, vou aproveitar para fazer meus votos para 2010: Que tu nunca caminhe por uma estrada em que sabe que não vai conseguir voltar, ou nunca suba em um lugar de onde sabe que não vai conseguir descer. E que aperte as mãos de quem for te cumprimentar com força, e olhando nos olhos. Isso vai garantir que a pessoa na tua frente sinta que tem boa vontade... de verdade.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Frase de grande efeito (Baseado em fatos reais e imorais!)

MCerta vez, minha mãe, iniciante na era digital, divertia-se em um "chat". Está na idade da loba, como dizem os "Don Juan", a respeito das quarentonas. Obviamente era abordada por pelo menos grande parte deles, se não todos.
Foi aí que seus belos olhos de um esverdeado quase amarelo arregalaram, suas faces enrubeceram e ela murmurou: "Caroline...me acode..."
Logo de cara concluí: minha mãezinha havia sido desonrada, deflorada, por um tarado virtual.
Na mosca! Uma "galante" criatura do sexo masculino havia mandado, em sala reservada, um páragrafo que não tenho coragem de aqui reproduzir. Pornografia chula, daquelas que causam traumas sexuais em mulheres de menos fibra que nós duas.
Chamei meu irmão. Ele, mais jovem, ficou com vergonha. Foi aí que resolvemos unir a força bruta de um taekwondista com a inteligência de uma quase jornalista e lavar a honra de nossa genitora com sangue, se preciso fosse.
Utilizamos toda nossa astúcia para criar o mais maquiavélico dos planos. Levantamos da memória todo tipo de ofensas e palavrões que havíamos aprendido ao longo de nossos vinte e quatro e dezoito anos de existência. A mãe assustou-se. Nem sonhava que "aquelas criaturinhas de quem havia trocado as fraldas e educado tão direitinho" pudessem ter um vocabulário vulgar tão extenso. A coletânia ia desde "pintinho" até "inconstitucionalissimamente", passando por aquele prato grego de 182 letras.
O grande início foi a frase de maior efeito:
"Sou semelhante a uma sereia...
...metade mulher, metade baleia."
Era só o começo. A partir daí, uma mulher virtualmente asquerosa começou a humilhar e oprimir aquele, que deduzimos, "lutava covardemente com um exército de cinco contra um".
Em dez minutos, ou menos, ele se "auto-expulsou" da sala.
Mas juro... minha mãe, na verdade, é um mulher linda... de parar o trânsito!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Fui vítima do trabalho infantil!

A cidade de Viamão entrou no cenário da mídia nacional por causa da punição que uma professora aplicou em um adolescente, que num ato de vandalismo pichou as salas de aula recém pintadas de uma escola. Como eu não poderia deixar de opinar sobre o assunto, mandei esta crônica para o jornal Diário de Viamão, e ela passou a ilustrar uma das matérias que circulou sobre o assunto.
Ah, e vale lembrar: a cidade dos professores carrascos é a única em que os motoristas páram na faixa de pedestres mesmo que sem semáforo, para alguém atravessar a rua.




Abaixo, o texto enviado ao jornal:





Vai ser um depoimento rápido, sucinto e indolor...

Sim, venho hoje me retratar como uma vítima do trabalho infantil.

Praticamente todo o ensino de nível fundamental estudei em escolas privadas... e religiosas. E como reza a lenda, todas as administrações religiosas são carrascas.

Qual a diferença entre uma escola pública e uma privada? Ora... esta é fácil! A pública forma operários, e a privada, líderes.

Mas a grande verdade é esta: os irmãos e irmãs que me educaram, faziam com que meus colegas e eu limpássemos a sala de aula uma vez por mês. Faziam com que varrêssemos a sala de aula todas as vezes que trabalhávamos com recortes de papel. E também faziam com que plantássemos árvores. E que passássemos álcool no quadro negro, sujando nossas pequenas mãozinhas... ah, e uma vez tive que ajudar a pintar as linhas de uma quadra de basquete.

Assim vivi minha infância dos seis aos treze anos. E muitas marcas foram deixadas.

Não sou uma líder, muito menos rica e bem sucedida. Mas sou traumatizada. E é este trauma que faz com que eu seja grata às faxineiras do local onde trabalho, e que eu não me importe em passar um paninho na parte de traz de um computador quando elas não alcançam. É este trauma que faz com que ensine aos meus filhos a não jogar papel no chão. É este trauma que faz com que eu não piche as obras de arte da Bienal do Mercosul, e muito menos os muros dos vizinhos, já que eu sei o trabalho que tiveram para pintar. É este trauma que me fez uma cidadã de bem, consciente de meus direitos, mas principalmente de meus deveres.

O início assusta, não é? Mas meus senhores e minha senhora, mãe de “criança traumatizada”: o Estatuto da Criança e do Adolescente tem duas partes, e não só uma. A primeira fala dos direitos, e outra dos deveres, como em qualquer constituição... mas como qualquer bom brasileiro, a maioria não lê um livro por inteiro, ou decora a sinopse se considerando a pessoa mais instruída do mundo.

Aliás... chamem psicólogos para tratar quem doa seu trabalho voluntário para pintar escolas e depois tem que assistir delinqüentes pichando. Estes cidadãos sim, tem motivo para ficarem com traumas, sofrendo com este dano moral.

Obrigada aos carrascos da minha infância. Hoje eu sei o que é educação... a que faz o caminho ser aberto para a vida.

Afinal, qual é o sexo frágil?


Antes de começar, preciso contar. Minha filha tem quatro anos, e utilizamos o transporte coletivo. Ao embarcar no ônibus, dia destes, sentamos nos bancos da frente, que estavam livre. Foi aí que ela me perguntou sobre cada figurinha do adesivo indicativo de assento preferencial. Identifiquei todos. Seu pequeno dedinho apontava para a mulher com criança no colo. “Esqueceu, mãe”, disse ela, “com bebê e de saia”. Eu meio cansada, apenas resmunguei. Mas depois fiquei pensando. Será que não é esperado que um homem entre com um bebê de colo em um ônibus? Esqueçamos os favores prestados pelos pais às suas esposas, ou mães de seus filhos. O que está aqui em questão são os tabus e diferenciações.
A mulher quando some de casa e chega tarde é motivo de preocupação. O homem quando chega tarde é sem vergonha.
A mulher quando é traída é vítima. O homem é traído e é chamado de “corno” ou de “trouxa”.
A mulher quando trai ainda é vítima (Coitada, faltava algo em casa.). E se o homem trai, voltamos a dizê-lo: sem vergonha.
Dia destes li uma notícia um pouco estranha. Um homem iria assaltar uma loja na Rússia, se não fosse interrompido pela proprietária. Sei lá como a mulher imobilizou-o e trancou-o e uma sala. Ali, fez toda sorte de práticas sexuais com o pobre coitado; durante não sei quantas horas, mas foram tantas, que a polícia local foi averiguar o que estava acontecendo. Descobriram a vítima de estupro. Ou não era vítima, ou não era estupro? A notícia lí num site de discussão. Os comentários foram diversos, e confesso que até eu chamei-a de “mestra”. O que mais me chamou a atenção foi uma mulher participante discernir que estupro é quando se agride orifícios,e não extremidades (As palavras não forma bem estas, mas poderemos estar fora do horário para este tipo de nomenclatura.). Os homens o consideraram privilegiado, e acharam absurda a ação que o homem moveu contra a agressora. Para mim, estupro é qualquer ação sexual realizada sob violência e contrariedade de uma das partes.
Aí me pergunto: o que acontece com um homem que procura uma delegacia dizendo que “apanha” da esposa? E com um rapaz que diz ser assediado por uma senhora? Por que a delegacia da mulher cuida só da defesa e não da punição das mulheres? Assédio sexual só é acusação válida quando o chefe é homem? Mais light: por que existe dia internacional para a mulher e não para o homem? Por que no dia das mães a variedade de presentes é muito maior?
Igualdade de direitos é uma coisa. Tentativa de supremacia é outra bem diferente. Esqueçamos o gênero. O que é frágil é o ser humano, principalmente contra a falta de valores.

terça-feira, 3 de novembro de 2009