Páginas

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Escolhi minha família

Ontem o dia amanheceu esquisito.

Estava um pouco alheia aos acontecimentos, pois me vesti apressada para ir ao trabalho e nem assisti o telejornal da manhã como costumo fazer.

Mas o mais esquisito foi chegar ao jornal Correio do Povo e ver um colega da editoria de Esportes, que geralmente chega à tarde (jornal que se preze fervilha à tarde/noite, principalmente a editoria de Esportes) entrando apressado para dentro do prédio. Senti que algo havia acontecido. Mas não sabia que era tão, mas tão grave (e dolorido).

Os fatos que se sucederam no dia de ontem dispensam descrições. Meus colegas que encararam a redação (e por isso às vezes digo que são mais corajosos que eu) já o fizeram. A perplexidade em saber que a maior parte das pessoas que nos deixaram são jovens, muito jovens. A revolta em ter sentido alívio quando encontraram mais um sobrevivente, e este alívio ser seguido da informação do desencarne de mais um que poderia ter sobrevivido, mas não conseguiu, mesmo tentando bravamente até o fim. A tristeza em ver um goleiro de 24 anos perder uma perna, seguida da dualidade empática com a mãe dele: no lugar dela, preferia ter meu filho de volta, mesmo que sem um pedaço do seu corpo, e isso me deixou por alguns segundos feliz por ela.

Chegou um momento do dia em que disparei na linha de tempo de uma rede social do colega que vi pela manhã “Que pesadelo é este”? Não há outra palavra. Era um pesadelo.

Colegas que perderam colegas, famílias que perderam filhos, filhos que perderam pais sem nem ter podido olhar seus rostos físicos.

À tarde, participei de uma reunião que durou algumas horas. E esqueci meu celular na bolsa enquanto isto. Quando saí, havia duas chamadas perdidas do número dos meus filhos. Foi como se eu entrasse num buraco negro. Parece trágico pensar que poderia ter sido uma última tentativa de contato? Talvez. Mas não há como não pensar nisto num dia como ontem. O céu se abriu quando ouvi a voz do meu primogênito: “a gente ligou pra saber se tava tudo bem, tu parecia estranha no almoço”. Óbvio. Imaginem como estava minha cara o dia inteiro, mesmo não trabalhando em cobertura nenhuma.

Nestas horas parece que toda nossa vida passa à nossa frente, mesmo que a morte não esteja diante de nós. Lembrei de quando decidi pelo Jornalismo. Pela paixão por zonas de conflito. E de quando meu marido, meu incentivador e embarcador de todas as minhas canoas (furadas ou não) me presenteou com a matrícula em um curso que a Polícia Civil dá para jornalistas que desejem se especializar na função. Lembrei de quando justamente na semana em que começaria o curso um colega do Rio de Janeiro morreu porque seu colete a prova de balas estava danificado e não deu conta de um ataque durante uma cobertura. E então lembrei do meu recuo. E recuei porque naquela hora só pensava nos meus filhos, no meu marido, nos meus pais. E que poderia ser eu naquele morro. Foi então que escolhi a Gestão de Comunicação e a Cultura. Trabalhei minha vida inteira na área cultural e confesso que nem sei se saberia fazer outra coisa, assim como tem sido minha relação com a Gestão. Acho que nunca mais conseguiria escrever uma reportagem às cegas sem pensar na parte administrativa da publicação de meu produto. Então me lembrei de outra situação. Os colegas franceses (de redação, de gestão, de suporte) que perdemos há pouco tempo num ato covarde de terrorismo. Eles não estavam em um avião. Nem em campo de combate, nem em morro. Estavam em suas mesas de trabalho exatamente como estou todos os dias. E tinham deixado suas famílias em casa para mais um dia dedicado a informar tantas outras famílias seja através de críticas, seja através de notícias, seja gerindo uma publicação, mas informar. E lembrei de novo dos meus colegas, tão próximos no dia de ontem. E que haviam perdidos colegas, ex-colegas e amigos, mas não abandonaram o posto. Alguém precisava informar o que estava acontecendo em meio àquele turbilhão. E eles estavam lá, em pé. Mesmo sabendo da “baixa” de um ex-colega que havia virado amigo (do qual nunca fui próxima, mas confesso, me choquei ao ver as imagens de seu rosto jovem entre as vítimas). Não costumo citar nomes, mas se ontem me perguntassem nomes de heróis eu responderia Carlos Correa, Tiago Medida (por serem mais próximos a mim) e os tantos outros que trabalharam incansavelmente ao mesmo tempo em que sentiam a perda.

Porém, depois de tudo isto, o que me importou de fato (e não tenho vergonha de assumir-me egoísta) foi chegar em casa, tomar um chimarrão com meu marido na praça e ver meus filhos correndo. Voltar, cozinhar o Yakissoba de legumes que eles tanto gostam e depois de ter chorado assistindo os (também colegas) jornalistas do Jornal Nacional homenageando os seus contar para meus filhos sobre o dia em que recuei da Redação. E que hoje sei, não me adiantaria de nada.

Eles precisavam ouvir que a mãe deles recuou não por covardia, mas por eles. Não ouviram isto para que se sentissem culpados por terem interrompido os sonhos de uma jovem jornalista. Mas ouviram para que soubessem da importância deles, aconteça o que acontecer, já que estamos em tempos tão estranhos:
- Escolhi minha família.

Esta foto que ilustrou a capa do Correio do Povo de hoje foi feita pela equipe da Rádio Caracol, Colômbia. Uma imagem simples, isolada e triste, filtrada pelas lentes de quem  teve que ver este momento num todo, com a força de quem está trabalhando. Lembre disto quando falar em sensasionalismo e leviandade.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Por que não acreditar no Criança Esperança?

Ok, vamos começar do começo. Já aviso que este post contém palavrões.

A Globo foi acusada de sonegação de impostos, o salário anual de alguns apresentadores supera a arrecadação anual do projeto, o trabalho todo é baseado nas doações de outras pessoas e entidades, fazendo com que a emissora em questão receba benefícios como isenção ou descontos em determinados impostos “às custas dos outros”.

Beleza. Concordo, inclusive.

Mas vamos tentar enxergar por outro lado? Por exemplo: quem me conhece sabe que trabalho com uma parte meio fora do comum na Comunicação. Sou um dos responsáveis por agregar valor a um dos maiores produtos de comunicação do meu Estado. E confesso; não é um trabalho fácil.

E muitas, mas muitas vezes pensamos em projetos que tem cunho social. Projetos que vão beneficiar muitas outras pessoas. Mas que temos que colocar em prática com outros parceiros que poderão auxiliar de uma maneira ou outra, pois não temos como pagar algumas contas sozinhos.

“Ah, Carol, mas o faturamento da Glob”... Pssssssht! Eu não tenho uma cópia do relatório de faturamento da Globo nem você tem. Pessoas, entendam de uma vez por todas que os grupos de comunicação vivem de ilusão. Isto mesmo! Pura ilusão. Totalmente besta isto, mas é ilusão. Sabe aquela tinta acrílica dourada e marota que passam por cima dos altares barrocos na restauração? Pois é.

Desculpem se decepciono vocês, ainda mais por estar me colocando como se defendesse um grupo que é concorrente daquele para o qual eu trabalho. Mas a grande questão é que não estou defendendo porra nenhuma.
Só estou questionando o seguinte: por que raios é tão condenável usar a própria imagem para arrecadar doações e conscientizar os serumaninhos da existência de outros serumaninhos? Gente, o Sérgio Zambiazi fez isto a vida inteira e é um ícone do rádio gaúcho! O Zambiazi podia comprar quantas cadeiras de roda quisesse, tenho quase certeza disto, mas ele preferiu fazer melhor que isto, ele preferiu fazer com que seus ouvintes percebessem a presença do outro. Não esqueçam que empresas de comunicação continuam sendo empresas e devem se autossustentar como tal. Ah, e não esqueçam também: a imagem é um produto. E se estou cedendo gratuitamente a minha, isto é filantropia sim.

“Ah, sim, né, Carol! Gozar com o pau dos out”...

É, é mais fácil sim. E criticar o pau dos outros sem ter visto o estrago que ele pode fazer também é fácil demais.

Acha que o Criança Esperança é balela, auxilia poucos jovens e é apenas uma máscara de boa moça para a Globo? Também acho. Mas e o seu projeto? O que você fez por estes jovens?

É muito bonito duvidar de um projeto social e fazer absolutamente NADA para mudar a realidade à sua volta. Assim protestar é ser apenas mais um rebelde sem causa, infantilóide, mimado e cegueta diante deste mundo de merda em que somos obrigados a ver crianças vivendo situações que talvez nem nós adultos suportaríamos. Ou seja: não vale.

Se eu doei algo para este projeto?

Não. Desconfio do mesmo que você; por isto eu mesma proponho debates à minha volta e entrego minhas próprias doações (desde brinquedos até meus próprios cabelos, se querem saber). Mas com muito respeito. Acima de qualquer coisa, respeito.


quinta-feira, 30 de junho de 2016

E se... Game of Thrones fosse exibida em TV aberta no Brasil?

Vocês já pararam para reparar que patacuada as emissoras brasileiras fazem com os títulos de filmes, série, seriados e seja lá que programa "importado" for que comprem para exibir?

Tipo... "Batalha dos Confeiteiros" (The Cake Show), "Breaking Bad - a química do mal" (Braking Bad), "Bake Off Brasil - Mão na Massa" (Bake Off Brasil, ou Itália, ou Inglaterra, ou...), "Rush - No limite da emoção" (Rush), "O galinho Chicken Little" (Chicken Little) ok, as distribuidoras cinematográficas também ajudam, né?).

Olha que corremos um grande risco: o de que Game of Thrones, que segundo a produção acaba em 2018 seja "importado" para cá (Gente, lembremos de "Roma", "Pilares da Terra", "Julio Cesar", "Sleepy Hollow" e sabe-se lá mais o que. E ignoremos o formao Big Brother.).

Estava cá pensando com meus botões: como cada emissora de TV aberta se comportaria. Até planilhei! Só não disse nada da Rede TV, pois fiquei em dúvida se a Daniela Albuquerque faria uma abertura, ou o João Kleber ficaria gritando enlouquecido sobre "quem ia morrer neste episódio de hoje", ou "que segredo era guardado pela mulher vermelha". Uma coisa é certa: Luciana Gimenez certamente iria promover debates com subcelebridades enriquecidos com desfiles de lingerie inspiradas nas personagens da série.


terça-feira, 28 de junho de 2016

Precisamos falar sobre Velho Chico (E sua possível rejeição)

No dia em que o primeiro capítulo de Velho Chico foi ao ar, lembro que fiz textão no Facebook. E neste textão uma previsão catastrófica que está se concretizando, infelizmente. Deveria estar feliz por mesmo após seis anos longe da roteirização ou direção de espetáculos não ter perdido o faro com o público. Mas não estou. Nem um pouco.

Estou sim, desiludida. Ao mesmo tempo em que acreditei que a Globo, com seu poder de persuasão em horário nobre iria auxiliar na penetração de outros formatos de texto, atuação e até de fotografia no entendimento da “plateia”, tirando à manobra de fórceps da erudição seletiva certas práticas cênicas; tinha a certeza de que o público seria resistente. E está sendo.

Muito bem, meus senhores. Velho Chico parece estar correndo o risco de ser encurtada. Graças à sua falta de músicas populares com refrões repetitivos e sem nexo, bordões óbvios e cenas de sexo gratuito. Pelo amor de todos os deuses, quando sonharíamos que uma novela da Globo teria um poema de Gregório de Matos musicado em sua trilha sonora (e primorosamente encaixado na realidade expressa no texto)?

Lembro como se fosse hoje, em meio às risadas por ter visto os pelos pubianos de Santoro (Poxa, qual adolescente dos anos 1990 não esperou ansiosamente por isto?), que lembrei do quão significativas eram as manifestações sexuais entre sua personagem e a de Carol Castro. E sem levar em consideração o contexto histórico do período de liberação sexual e o “desenfreamento” de Afrânio (que mais tarde viria a antagonizar com o conservadorismo que assumiria ao encarnar o papel de Coronel Saruê no lugar do pai – o que aliás reflete a sucessão rural tão forte em certas regiões do país), ouvi pessoas próximas a mim desistindo de assistir à novela por que só mostrava “putarias”.

Dei muitas risadas com dona Encarnação chamando a nora de “Gitana” fonetizando com “J”. Clara referência à ignorância causada pelo isolamento cultural de certas camadas da população que ainda assim se enche de razão. E se Selma Egrei é cansativa, arrastada e irritante, louvores a ela: de que valeria meses de laboratório se não para fazer com que o público sentisse por ela asco que parte das outras personagens sentem?

E chorei copiosamente enquanto o padre Benício rogava a Nossa Senhora que desse sabedoria a Santo e Tereza para administrar o amor que sentem um pelo outro. O quanto isto acontece em nossas vidas? Seríamos nós aptos a aceitar apenas o que fantasiamos como amor e não o que acontece todos os dias em consequência do amor? Parece que apenas quem amarga sentimentos por longos anos e não encontra saídas entenderia o que está expresso por alí.

Seria apenas eu que entendi lá nos primeiros capítulos a alegoria dos barcos no Rio São Francisco? Só eu senti o prazer de ter verdadeiras telas de Portinari invadindo minha casa através da fotografia da novela? Será o pé do Benedito que só eu entendi os elementos surreais que permeiam a trama fazendo ela inserida em um local onde o tempo parou? Não. Isto não é possível. E sei não ser possível porque vi alguns poucos falando exatamente isto a respeito das intenções de Benedito Rui Barbosa (Mestre!).

Velho Chico traz a caricatura que é sim presente em nossas vidas, traz pausas cênicas para que possamos refletir (e deglutir) acerca de tantas informações difíceis que “pipocam” diariamente. Traz a diva Christiane Torloni cantando despreocupadamente e naturalmente como todo ator deveria ser permitido fazer (sem playbacks), porque ela não está concorrendo a um Grammy, mas interpretando (E meus Deuses, como é bom ouvir esta mulher cantar deste jeito!).

Façamos um esforço e assumamos que talvez (Talvez uma pinóia, agora minha previsão está comprovada.) o público não esteja preparado para pensar e muito menos aceitar que (mais uma vez esta afirmação) a arte é amoral. Na vida temos gente preconceituosa, chata, violenta, política. Temos regiões no Brasil em que a homossexualidade é velada por conta de traços culturais lamentáveis, mas traços culturais (E daí a tal ausência de personagens homossexuais na trama.).

Esta é a realidade nua e crua. Aceitem se tiverem força para isto.


(E só para piorar um pouco mais o post, deixo aqui embaixo a oração à Santa Sara que a “Jitana” Christiani Torloni conduziu de uma maneira que eu nem sei descrever – e olha que eu nem paro para olhar novela, hein?)




quinta-feira, 23 de junho de 2016

Oração

Morrigan, Deusa dos conflitos; cuida dos corações aflitos.

Quando eu andar pelo vale sombrio, segura minhas mãos na escuridão.

Que o sangue que escorre pelo fio da tua espada seja derramado em nome da justiça.
Não me deixa só.

Em meio ao mundo em que muitos temem mencionar teu nome por falta de coragem e pureza de coração, continua cantando tua canção aos meus ouvidos, pois são os brados da tua voz que me levam pelos caminhos mais tortuosos sem me ferir.

Sê a mãe que me acolhe quando retorno do campo de batalha com vestimentas rotas e a face suja.
Me dá força para continuar.


Que assim seja.
E assim será.




domingo, 29 de maio de 2016

Ninguém merece

Crônicas da vida real:

Choque. O filho contou que havia pedido desculpas às colegas, pois havia “mexido” com elas. Que havia se dirigido à diretoria da escola para se retratar e pedir orientação de como agir, agora que tinha feito bobagem e não sabia como recuperar a confiança dos colegas.

- Entendo. Mas foram os professores que te chamaram?

- Não, mãe. Foi a Julia*. Vi que ela estava falando grosso e muito brava comigo. Dessa daí eu entendo bem a linguagem: ela estava muito furiosa. Daí me flagrei que tinha algo errado e fui procurar ajuda.

Agora, depois do acontecimento dos trinta e três do Rio de Janeiro, novas discussões surgiram nos lares, e a compreensão sobre receios de que durmam fora de casa, ou saiam para festas de desconhecidos finalmente parece estar sendo entendido.

E a mãe se viu no quarto sozinha com o menino que havia pedido ajuda na direção da escola:

- Mãe, menino não é estuprado?

- Sim, meu filho. Homens e mulheres podem fazer estas coisas contra alguém e sofrer este tipo de violência também.

- Ah. Eu sei como se estupra um menino. Não que eu tenha feito ou participado de uma coisa destas, mas eu sei.

- Entendeu então das coisas que eu temo?

- Sim. Mas fico pensando: se um cara vier pra cima de mim, consigo me defender. Mas se forem dois, não vou poder fazer nada.

(Imagina trinta e três, meu filho...)

- Esta é a parte mais triste. “Não poder fazer nada”. Homens parecem passar menos por este tipo de violência ou não denunciam, o que atrapalha a estatística. Por isto, a consciência que nós temos é de que mulheres passam muito mais por violência sexual do que homens.

- Ô, mãe. Tem uma menina lá na escola que está me provocando.

- Como assim?

- Ela fica rebolando na minha frente, “sentando até o chão” e depois empinando a bunda na minha cara. Daí eu peço licença para acompanhar a lição, e ela debocha gritando para as outras meninas que eu estou me controlando, como se isso fosse errado.

- E tu falou para a diretora?

- Sim. Ela anotou o nome da menina lá no caderno dela.

- Meu filho, se tu precisar que eu vá na escola conversar com a diretora, pode me pedir que eu dou um jeito.

- Não. A professora Manuela* sabe bem ajeitar as coisas... mas se não adiantar te chamo sim.

- Quero que tu entenda uma coisa muito séria: para  respeitar e proteger uma pessoa, não adianta esperar ela dizer não e parar de fazer o que se está fazendo. Vão haver situações em que tu vai te ver sozinho com uma menina e vocês estarão fazendo coisas que talvez ela não queira mais. É só parar também. Mas vão haver situações também, em que ela vai te pedir para fazer coisas que tu sabe que vão machucar ela, se não naquela hora, depois. E aí é teu papel saber dizer não também. Por mais que seja difícil. O namorado daquela moça do Rio de Janeiro estava com ela naquele dia. Dizem que ela se drogou, ou bebeu, não sei ao certo. E que convidava aqueles homens a “se servirem”. Não sei se isto é verdade. Mas se for. Tu não acha que teria sido bem diferente se o rapaz tivesse a mandado tomar um banho e um café forte pra recobrar a consciência ao invés de abusar da situação? Isto também é proteção e respeito.

******

Toda mulher já foi abusada de alguma forma.

Algumas pessoas chegam à ignorância de dizer que se alguma personalidade chega até veículos de mídia para falar sobre o assunto é “para se aparecer”.

Sinto muito, meus amigos. Mas se todas as personalidades femininas resolvessem falar o depoimento seria praticamente o mesmo.

Pode ter sido uma agressão física. Ou verbal, ou moral.

Pode ter sido um abuso físico. Ou verbal, ou moral.

Pode ter sido um estupro. Mas pode ter sido visual, pode ter sido virtual, pode ter sido sem penetração.

Não basta apenas respeitar o não.

Há muitos anos estamos debatendo o que é estupro ou não, o que é abuso ou não, o que é agressão ou não.

É tão difícil assim entender que atos sexuais com uma pessoa estando ela contrariada ou fora de consciência plena é estupro?

É tão difícil entender que tirar vantagem de alguma condição melhor em você sobre o outro é abuso?

É tão difícil assim entender que agressão não é só física, mas que ofendendo verbalmente, ou desmoralizar uma pessoa também é agressão?

Eu já tive “nãos” ignorados.

Eu já fui desrespeitada enquanto dormia.

Eu já fui assediada em reuniões de trabalho (graças aos Deuses há bons anos isto não acontece).

Eu já fui tocada na rua, vestida com roupas compridas, enquanto ia ao trabalho.

A vergonha é a mesma.

Hoje não é mais proibido ou repudiado ter filhas. Mas o pesadelo continua o mesmo.

******

Uma babá foi presa por ter estuprado uma menina de nove anos de idade.

A babá diz que a menina ameaçava ela caso não cometesse atos libidinosos, fotografasse e armazenasse no tablete da criança.


Vai que a guria estava possuída pelo Pazuzu e agora ninguém acredita na pobre babá?

*nomes fictícios







quarta-feira, 18 de maio de 2016

Conclusões

Ainda sobre a situação atual no Brasil:



A maioria deles acredita na Bíblia.
Segundo a Bíblia “não só de pão o homem viverá, mas de toda a palavra que procede da boca de Deus”.
Segundo Alcuíno de York (depois de tantos outros) “a voz do povo é a voz de Deus”.
E se a Cultura representa a identidade e a voz do povo, concluímos que...

***
Um estupro deixa de ser provocado pela vítima quando esta vítima é seu filho ou sua filha.
Um soco vindo de um marido só deixa de ter sido provocado por uma esposa intransigente quando esta esposa é você.
Bandido bom é bandido morto até o momento em que o bandido morto é seu familiar.

Ditadura só é ditadura quando contraria suas próprias crenças.





segunda-feira, 9 de maio de 2016

Alienação parental: ela pode ser substituída!

Dizem que eu sou um tipo meio estranho.

Um tipo meio raro na verdade.

Só porque eu chorei de emoção e gratidão quando vi minha filha agarrada à madrasta dela numa entrega de amigo secreto. e também por que nós trocamos ideias, e ainda por cima maquiagens quando tem festa de família.

Também acham esquisito eu abraçar apertado e pegar no colo o irmão dos meus filhos, nascido do segundo casamento do pai deles. E ainda por cima passarmos Natais juntos.

Esquisito é alienar um ser que está formando sua identidade social, isso sim.

Aproveitando minha esquisitice e me inspirando nas frases que eu mesma digo, resolvi fazer uma tabela de substituições (Tipo Preta Gil, sabe?):


Acho digno e útil.

Já parou para pensar em qual lado da tabela tu mais te refere quando fala com teus filhos, ou com o pai/a mãe deles? Já parou pra pensar que pai/mãe não tem absolutamente nada a ver com marido/mulher? E que se o casamento acabou, virar pai/mãe faz de ti parte de uma equipe vitalícia na criação de outros seres humanos?

E principalmente: que a alienação parental é crime e não está presente apenas na proibição de visitas, mas na influencia em destratar, desrespeitar, diminuir ou humilhar o pai ou a mãe que não mora com o filho? E o pior: não é só porque é crime que deve ser repensada. Já pensou o que se passa na cabeça dest@ filh@?

E agora, quem é o estranho?






quinta-feira, 21 de abril de 2016

E foi sem cuspe mesmo

Escrevo este texto para amigos. Amigos que tenho visto compartilhando em redes sociais relatos de pessoas que passaram pelos horrores instituídos após o AI-5 ser sancionado no Brasil em 1968.

Amigos que tem exposto o relato sofrido (não tenho outra palavra) de Amelinha Teles. Tudo isto numa tentativa vã de conscientizar os outros sobre o quão absurdo é a opinião do Sr. Jair Bolsonaro. E já digo de antemão, meus amados: de nada adiantará, nem que a tortura em questão fosse infligida às mães deles. Se uma pessoa chega ao ponto de admirar alguém com este tipo de postura, teria ela o discernimento destas coisas?

Gostaria de dizer querido amigos, que me sinto sim desrespeitada quanto mulher ao saber que ainda existem pessoas que acreditam ser normal o que aconteceu durante um período tão sombrio de nossa história (e que diga-se de passagem não concordo em ser apagado de nossa memória nem com mudança em nomes de avenidas). Seja do lado que for.

Há anos atrás resolvi trabalhar em um monólogo que falava sobre um caso de Síndrome de Estocolmo que ocorria num cativeiro do exército em Porto Alegre durante a Ditadura Militar.
O texto nunca saiu do papel (quem sabe um dia). Mas para concebê-lo, fiz laboratórios me aproximando o máximo possível daquela realidade ouvindo e entendendo o que se passava na cabeça de pessoas envolvidas com aquela situação. Fui em busca de pessoa que tivessem em algum momento amado um torturador a serviço do Exército Brasileiro. E pasmem: encontrei tantas, que havia duas no mesmo bairro. E uma das coisas que mais me chocou foi o fato de saber que não precisava se estar em um porão para que aquela face do medo estivesse presente na vida delas.

Esposa de um militar, mãe de quatro filhos dele, Janete* fugiu do estado onde moravam. Ela assistiu o homem com quem trocou alianças apaixonadamente se transformar em um monstro que descrevia em minúcias as maiores atrocidades que ocorriam em seus plantões em uma das salas do DOI-CODI no Rio de Janeiro. Ela sabia estar deitada na cama ao lado de um homem que provavelmente algumas horas antes havia estuprado uma (ou um) estudante qualquer. E passou a abrir as pernas por medo. Até o dia em que ele olhou no fundo de seus olhos, ao ser contrariado em uma tarefa doméstica, e sussurrou por entre os dentes “subversiva”. Na primeira oportunidade pegou os filhos e veio para o Rio Grande do Sul. Nunca mais o viu. “Mas como, dona Janete? Como ele nunca a encontrou”? Eu perguntei. “Acho que foi milagre, minha filha”, ela respondeu com olhos de quem ainda lembra de cada cena.

Já Iracilde* me mostrou um outro lado. O seu esposo militar negou-se a torturar uma grávida, e ficou preso. E ela também, só que em casa. Com o único filho nos braços, na época com três meses. Me contou que ficavam dois soldados em sua porta. Por dias. Não podia sair nem para comprar comida. Um dia o bebê teve uma febre que não cedia. Iracilde gritava por socorro, pedia remédios, pedia compaixão. Em troca, o silêncio. A febre ficava cada vez mais alta. O bebê convulsionava. Ela não tinha mais como gritar, aquele silêncio iria matar seu filho. Colocou-o embaixo de uma torneira fria. Ele recobrava a consciência. Passou a noite inteira assim, alternando o banho frio com massagens para que o menino recobrasse a consciência. A criança está viva até hoje (é um grande amigo). Mas quando perguntei sobre o esposo, Iracilde pediu que, por favor, não a fizesse falar mais. Respeitei. Afinal tenho meus filhos.

Segui pesquisando, segui ouvindo, segui sentindo. E sem cuspe. Quando uma pessoa concorda em falar sobre isto não há suavidade, não há censura, não há cortes. Apenas dor.

Se acho que corremos o risco de vivermos novamente momentos como este? Não exatamente. Mas confesso que tenho pânico de mesmo sendo “bela, recatada e do lar”. Certa vez ouvi que se vivesse minha vida decentemente indo de casa ao trabalho e do trabalho para casa nunca correria risco nenhum e a única coisa que me veio à mente foi a imagem de Herzog: empregado, trabalhador, afamilhado. Não é de graça. O jornal onde hoje trabalho teve toda sua edição de 20/09/1972 recolhida, e em 18/04/2016 publicou uma foto do vice-presidente brasileiro rindo displicente na capa.

Se acredito que uma cusparada resolva tudo? Não. Mas nunca deixo de acreditar em justiça divina. E esta, meus amigos, sempre chega. De um jeito ou de outro.




*Nomes fictícios, para proteger a identidade dos envolvidos

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Nunca tive medo de ciganos


Minha filha: uma pequena gadji, mas que aprende dia após dia a andar sem medo de nada, graças aos amigos ciganos que lhe ensinam tantas coisas.

Quando era pequena, minha avó me contou a história de Jesus. Entre todo o sacrifício e a tristeza do final, um detalhe sempre me chamou a atenção: quando encomendaram os cravos (pregos) que seriam usados na crucifixão, o fizeram a um grupo de ciganos, que eram os melhores fabricantes da região. Quando souberam para que serviria o produto, os ciganos fizeram um cravo a menos, na tentativa de fazer com que aquele homem sentisse menos dor. Segundo a lenda, desde então, Deus teria abençoado este povo pela sua boa intenção e compaixão. Mesmo que não tenha dado certo, pois os romanos pregaram os pés do réu juntos.

Minha família nunca disse que ciganos roubavam crianças, ou que seriam trapaceiros. Cresci na verdade tendo admiração por aqueles que ingenuamente tentaram minimizar o sofrimento de alguém que como eles, fazia parte de um povo que foi e é perseguido através dos tempos.
Quando cresci mais um pouco, estudando o espiritismo, aprendi mais uma coisa interessante: segundo os kardecistas, os ciganos desencarnados são responsáveis por atrair as almas que estão no umbral com sua música e dança. Assim estes espíritos que sofrem tanto enxergam em torno deste grupo a luz da arte que emanam, e conseguem acalmar seus ânimos diante da beleza facilitando assim o trabalho dos espíritos socorristas.

Depois de adulta, enquanto meus filhos corriam pelo amplo terreno da casa de um amigo cigano que ao mesmo tempo que falava comigo segurava uma filha no colo e se equilibrava pois a outra o escalava (literalmente), aprendi mais uma informação valiosa: “nunca roubamos criança nenhuma, Carol. Na verdade, adotávamos as crianças que ninguém queria mais, que estavam na rua”, me disse ele muito sério. “Quando aparecia uma criança de rua, com fome, sem roupa, sem pais, sem ter para onde ir perto de um acampamento cigano, acolhíamos. Como iríamos devolver para as ruas? Então elas sumiam e as pessoas na volta acusavam de roubo”.

Ao ouvir isto, comecei a lembrar de tantas histórias de moças violadas e renegadas pelos pais que fugiam com os ciganos, ou que acompanhavam a caravana de algum circo. Ou ainda jovens que não conseguiam viver dentro de um padrão familiar neurótico e que aproveitavam a primeira oportunidade que tinham para seguir com este grupo acolhedor.

Hoje percebo o quanto tudo isto é triste, mas bonito. Vejo o quanto um acampamento cigano pode carregar consigo a miséria material. O quanto algumas cláusulas de nossa Constituição não atendem a estes cidadãos do mundo. Mas também vejo o quanto me acolhem quando estou por perto. O amor que dispensam aos meus filhos, a ternura com que tratam minha família como se fossemos da mesma família. Sinto a paz e a energia materna quando respeitosamente cubro minha cabeça e me coloco diante do altar de Santa Sara (que já tive a honra de auxiliar a preparar – muito emocionada, diga-se de passagem).

E é em torno de uma fogueira, com os pés descalços, que sinto que minha alma se limpa.
Obrigada aos meus amigos ciganos por me ensinarem a amar, a perdoar, a me alegrar diante de tudo. Que hoje, dia dos ciganos, seja um dia para repensarmos no quanto vocês são importantes.


Kak Prala, stanki nashti chi arakenpe manushen shai.



Update: recebi um recado do meu amigo Emerson Guimarães Lovari (cigano, ativista em prol dos direitos desta minoria), me contando como a história dos cravos é diferente. Segundo ele "nas histórias que minha avó contava, o quarto cravo seria o ultimo a ser cravado, o prego da misercórdia, depois de muito sofrimento eles costumavam cravar na testa, e por isso usaram a lança! A história é longa, mas só para acrescentar, os pés sempre foram pregados juntos, no formato da cruz, quando o cruxificado abaixava-se, a cabeça era erguida com o quarto cravo, para que o povo(que adorava o sofrimento alheio) pudesse ver os olhos do condenado. Mais um ponto: quem fez os cravos, foram acusados de roubo, e cruxificados junto a cristesko! Na história da igreja, eram apenas ladrões, mas não esclarecem quem eram e porque foram acusados".

sexta-feira, 25 de março de 2016

"E depois a bruxa sou eu" ou "Como foi minha sexta-feira santa"

Hoje era sexta-feira santa.

“Era” no passado mesmo, porque para mim o dia já acabou. Sou daquelas que dormem cedo (a não ser que tenha uma maratona Game of Thrones lá em casa, daí a porra fica séria).

Como foi meu dia? Bom, preparei uma lasanha de abacaxi com (pasmem) peito de peru defumado, amanheci tendo contatos bem íntimos com meu marido, trancei meus cabelos, me embebedei com espumante brut (a bosta tinha graduação alcoólica de 11,5% - não me convidem para suave) e saí cantando “Hello” da Adele em embromeixon pela casa até que me colocaram na cama. Ah, xinguei meu gato que está impossível hoje, e meu filho teve sua aula de violão normalmente. E ouvi junto aos meus filhos as músicas que gostamos. Também estou escrevendo este monte de palavrões.

-Mas Carol, é um feriado santo!

Não para mim. Eu fiz tudo isto porque eu posso. Dá licença? Eu posso!

Posso porque fui excomungada. A meu pedido. Não achava justo ter meu nome sendo mais um número na estatística do Vaticano se não pratico absolutamente nenhum rito católico em minha vida. E não foi uma questão de rejeição. Foi uma questão de respeito.

O mesmo respeito que tive quando pedi desculpas a um colega evangélico num momento de vergonha alheia diante de uma colega católica/umbandista que ridicularizou o bispo da igreja que ele frequentava.

Também o mesmo respeito que me levou a não comungar numa missa festiva em comemoração a vinte e cinco anos de vida religiosa de um amigo de longa data. Eu poderia, não há fiscais para me apontar como excomungada. Mas porque agir como se nada tivesse acontecido? Eu não era mais a menininha de sete anos que ele catequizou. Mas ainda somos amigos e os principais valores que ele me passou não saem do meu comportamento.

O mesmo respeito que me impediu de batizar meus filhos na igreja católica. Se eles nunca praticariam seus ritos até terem idade de escolher no que acreditarem, batizá-los seria uma grande mentira, e como o oitavo mandamento dos cristãos diz para não levantar falso testemunho, e isto para mim inclui mentir, não mentiria a eles.

Esqueci-me de outra coisa que fiz hoje o dia inteiro. Ovos de chocolate. Vários. Uns grandes, outros pequenos. Foram mais de um quilo de chocolate nesta brincadeira. Se vou empanturrar meus filhos? Não (claro que eles vão ganhar também). Mas o mais importante é que eles fizeram os ovos hoje junto comigo. Eles vão para doação à ala infantil do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Preferi eu mesma fazê-los e colocar bombons bem macios para evitar riscos de engasgos. Criança que é criança relaciona Páscoa com chocolate, e embora eu não acredite muito nesta relação, por que não deixa-las felizes, principalmente quando são privadas de tantas coisas?

E hoje embora tenha feito tudo que as pessoas evitam fazer em um feriado santo me pus a lembrar da lotação dantesca do Mercado Público de Porto Alegre nesta semana em que todo mundo procura peixes caríssimos para comer (ainda acho que esta história de bacalhau tem relação direta com a família real portuguesa que chegou aqui em 1808, mas deixa quieto), discute qual vai ser o prato mais fino e qual o melhor vinho. E claro também, se amontoa nas filas por seu chocolate. Vejo também cristão se referindo a “comemorar” a sexta-feira santa. Oi? Tá comemorando o que, filho? A delação premiada mais famosa da História? Gente, vi até cristão sem saber dizer se no Natal se comemorava o nascimento de Cristo e na Páscoa a ressurreição!

Vi gente dizendo que desejava a paz mundial, mas estava ostentando selfies lindas em Gramado. Não que uma pessoa que visita Gramado não possa desejar a paz mundial; mas se teu desejo é este não deveria estar ajudando pra que isto aconteça?

Vi gente que passou o ano inteiro dizendo que Jesus era seu melhor amigo indo pra praia e servindo banquete. Darling. Se ele é teu melhor amigo, lamento informar, mas hoje é uma data escolhida pelos cristãos para vivenciar o luto. Neste momento, pelos teus ritos, teu amigo está morto. E tu lá, de boas na praia? Imagina que maneiro o Samahin pegando e eu ridicularizando o além-túmulo. Eu hein?

Depois me peguei a lembrar de outro momento. Havia saído de um ritual de Beltane com minha família e dei lugar no ônibus a um rapaz que estava com uma bebezinha no colo. Ao me levantar olhei para o fundo do carro e lá estavam TODOS os bancos ocupados por pessoas com a camiseta da marcha pela família que havia ocorrido no mesmo dia; e uma moça sentada NO CHÃO (degrau) com um bebê no colo. Não vou falar mais nada por dois motivos: primeiro que me embrulha o estômago. Segundo que piada explicada não tem graça.

Daí fico me perguntando que raios aconteceram com os valores que o cristianismo pregava (Um detalhe infame que pode fazê-los cair para trás, meus caros amigos cristãos: já estivemos do mesmo lado. Os romanos perseguiam vocês e nós ao mesmo tempo! E por motivos idênticos.)! Nem filminho de Jesus na TV aberta tem mais! O sentido das coisas se perdeu totalmente.

Aliás, quer um conselho? Um conselho de amiga, de coração?

Pega as crianças, explica o que Jesus fez na Terra, e depois assiste “A Última Tentação de Cristo”, do Martin Scorcese (Sou tão gente boaque vou deixar o link aqui). E aí pergunta o que teria mudado se Jesus tivesse escolhido um caminho diferente. Não vou te mandar ler Stead,  Lobo Antunes, Caldwell, Stern e Nunes. Menos ainda debater a teoria dos laranjas (se quer saber mais daí sim, te aconselho a procurar pelo Danillo Nunes). Seria maldade demais da minha parte.

Na verdade pensei neste textão o dia inteiro, e estou acabando ele quando a sexta-feira santa acabou de fato. Daqui há pouco os cristãos estarão lembrando do momento em que o sepulcro foi encontrado vazio. Um momento fantástico da mitologia cristã.

Mitologia sim. Eu posso. Se Lugh e Morrighan são ditos na minha frente como seres mitológicos e devo encarar isto com naturalidade, eu posso dizer isto. Juro que pelo simples fato de não ser cristã não me importaria nem em trabalhar nos feriados de vocês, desde que pudesse me resguardar nos meus - ah, esqueci, não são feriados! Mas bem que podia, né? - .

E não quer dizer que eu duvide da existência do Deus de vocês, e menos ainda da do filho dele.

Que a paz esteja entre todos nós. De verdade.


quinta-feira, 17 de março de 2016

Sugestão de filme do dia: A Revolução dos Bichos

Hoje a visita ao Blogspot é curta.

Apenas convido: assistam e tirem suas próprias conclusões.

Não serei agressiva a ponto de dizer que posto o filme dedicado a quem não tem paciêcia para ler o livro.


terça-feira, 15 de março de 2016

Meu primeiro post sobre política

Devido à pressão de algumas pessoas e minhas observações diante dos últimos fatos, resolvi falar sim sobre isto.

Na verdade, falar sobre meu primeiro post sobre política.

Rolou em 2009. Sério. Perdi minha virgindade em artigos políticos neste ano. E pasmem: ele foi publicado no jornal local de maior circulação na cidade onde morava. Na época estagiava em um gabinete de vereador e convivi muito com pessoas que frequentavam a câmara, e fiquei perturbada em saber que já havia frequentado aquele mesmo local nas mesmas condições e o pior: havia sido atendida. O que tem de mal em ser atendido por um vereador? Saber que a esperança dele é de que uma cesta básica, uma passagem de ônibus ou um auxílio em impressão de panfletos sobre seu trabalho vão valer um voto.

Observei então que era um perfeito caso de oferta e demanda, onde as pessoas não estavam recebendo nada mais que o esperado. Nasceu assim uma fábula chamada “Como organizar a Bagunçolândia”. Na terra da bagunça, as pessoas não sabiam como reclamar sobre sua insatisfação com a falta de organização para o rei. E menos ainda que ele tinha uma equipe que sondava sobre os problemas da população e sugeria como resolvê-los. Então todos se atropelavam e brigavam em torno dos muros do palácio, e ninguém se entendia.

Na verdade, acabava explicando que votar em alguém sem saber o que podemos exigir desta pessoa é a mesma coisa que comprar um fogão, não ler o manual e depois reclamar que não conseguimos acender o forno para fazer um assado de batatas.

Ou ainda a mesma coisa que empunhar um cartaz com uma frase pedindo uma intervenção militar e logo abaixo outra frase afirmando que só o poder do povo na rua pode combater a corrupção. Oras, quem empunha um cartaz destes claramente está demonstrando acreditar que Maquiavel escreveu “O Príncipe” só por causa dos lindos olhos de César Borgia.

Vejo crianças de oito anos repetindo a palavra corrupção sem saber que é errado fazer o trabalho do coleguinha em troca de um pacote de balas, por exemplo. Aliás, aos oito anos presenciei um impeachment. E minhas coleguinhas estavam preocupadas em pintar um olho de verde e outro de amarelo, mas não sabiam o que estava acontecendo. E até hoje não sabem. Afinal, o povo tirou Collor de lá.

Posso ser um pouco petulante? Antes de gritar palavras de ordem, recomendo que conheçam Gilberto Cotrim, Eduardo Bueno e Eduardo Galeano, o próprio Fernando Henrique Cardoso livre de sua faixa presidencial sobre o peito e sua saudosa esposa Ruth Cardoso. Herbert de Souza é uma boa pedida também. E se acharem pesado demais, podem procurar por Laurentino Gomes, Juremir Machado da Silva e Ken Follet. Parece desconexo. Mas não é. Posso apostar.

Talvez com estas poucas palavras tenha sido clara sobre o porquê de um silêncio que parece muito mais falta de opinião formada. Se me poupar de uma discussão sem sentido for burrice, prefiro continuar com a imagem de burra.


Desculpem a decepção. Pensaram que eu ia falar qualquer coisa sobre Lula, Dilma, Aécio e a postura do Ministério Público de São Paulo? Claro que não. Afinal não vi nada e não sei de nada. Inclusive moro humildemente num apartamento de dois quartos sobre o qual não declarei nada; até mesmo porque é alugado (e ainda por cima em nome do meu marido).

Plágio do dia: Maquiavélico é a mãe!



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Sobre shorts, bermudas e silêncio.

O banheiro feminino é uma verdadeira fonte de informações e de conhecimento acerca do ser humano.

Estranha afirmação, não? Para mim, não. Foi lá que escutei colegas de trabalho das quais gosto muito chamando as meninas do colégio Anchieta de “burras que não queriam saber de estudar”.
Enquanto todos estão preocupados com a imagem de uma divisa entre nádegas e coxas expostas pela cavidade da costura de uma peça de roupa; deixam de reconhecer o rosto do presidente da Gerdau sendo conduzido a um interrogatório na foto estampada na capas dos jornais. A bunda das meninas choca mais que a organização político-social do Brasil, talvez até mais que o crescimento da onda de violência no Estado do Rio Grande do Sul, que no ano passado teve seu percentual de homicídios maior que o Rio de Janeiro e São Paulo.

Mas não é exatamente deste tipo de comparação que vim falar.

A questão é que as colegas que estavam conversando viram quando saí de dentro do box do banheiro e tascaram um “tu não acha, Carol”?

E eu respondi como sempre respondo quando quero me esquivar: “não, sei, cheguei lá e a velha já estava morta”. Não adiantou. Houve insistência. “É sério Carol! O que tu acha disto”?
O que eu acho? Eu acho que um vestido longo não evitou que um rapaz “esbarrasse” em mim na praça da Alfândega, no caminho para o trabalho e me levantasse do chão encaixando as mãos dele em minhas nádegas em direção da vulva (meu vestido longo também não evitou a surra que dei nele, mas este já é outro ponto).

E o fato de eu ensinar à minha filha que ela deve respeitar as regras da escola onde ela estuda e usar bermudas para ir à aula não evitou que um colega a trancasse no banheiro e abusasse dela, que conseguiu sair correndo e chamar um adulto. Respeitar normas é um questão que envolve até uma percepção de teorias da Psicologia. Possuímos em nossa identidade social diversas personas. Obviamente a Caroline esposa é diferente da Caroline profissional, que é diferente da religiosa, que é diferente da mãe.

A persona estudante da minha filha usa bermuda e camiseta para ir à escola. Mas isso não a protegeu de um abuso. E isto também não protegeu o menino de ter sido abusado em casa e refletir isto na escola. Fato que só ficou conhecido por que finquei pé na escola até que o Conselho Tutelar fosse chamado para investigar o que estava acontecendo (O menino ia ser expulso sem ninguém saber o motivo de seu comportamento – fácil, não?).

E voltando às meninas do Anchieta: a persona estudante delas seja lá como estiverem vestidas não impediu que passassem por uma inspeção diária em plena exposição diante de todos na escola. O que é degradante de qualquer maneira.

Sendo assim, por que se preocupar tanto com um short, sendo que o problema é bem maior que isto?
Silêncio no banheiro.

Retorno ao meu posto de trabalho. Encaro uma colega que com delicadeza diz: “tu viu esta história do Anchieta? Não sei se sou quadrada ou não, mas acho que elas estão erradas”.
Então respondo tão delicadamente quanto: “Tu não és quadrada. É só tua opinião. Mas veja bem: trabalhamos em uma empresa com cento e vinte anos de mercado. E hoje vim até aqui com um vestido com barra um pouco abaixo dos meus joelhos. Tu achas apropriado”?

“Acho”.

“E se eu viesse vestida assim neste mesmo prédio em 1910”?

Silêncio na sala.

Precisamos do barulho destas meninas do Anchieta. Mas precisamos deste silêncio reflexivo também.
Estamos passando por um período de transição. Chanel usou calças quando isto era um escândalo.
Não podemos fechar os olhos e julgar como errado o comportamento destas meninas, quando na verdade está tudo errado. O ser humano deve respeitar o espaço do outro independente do gênero com o qual nasceu.

Enfim, esta transição é inevitável. Só precisamos que ela ocorra de maneira saudável.


Foto compartilhada pelo site Catraca Livre.


*