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segunda-feira, 6 de março de 2017

Semana da mulher: Dia 1 – sobre perpetuação

Ontem à noite, estive em uma festa de aniversário de uma querida amiga, cigana, que recebeu ciganos e gadjos em seu lar. Um clima agradável, uma energia boa, risos. Momentos ótimos compartilhados com amigos.

Mulheres ciganas e não ciganas dançavam livremente (Confesso que fiquei mais ao lado dos cantores que das dançarinas, porque comecei a ter uma grande cólica – Mioma. Uma praga. –. Daí também me dei por conta de que minha mania de fazer de tudo um pouco pode ser vantajosa às vezes.).

Ao voltar para casa, lembrei que hoje era o primeiro dia de aula da minha filha. Que está em uma escola separada do irmão, homem e mais velho. E lembrei também que no ano passado um menino que gosta de se meter a valentão com as meninas, especificadamente com as meninas, ameaçou “arrastar a cara dela no asfalto” se ela dirigisse o olhar a ele novamente. Também lembrei que ela peitou o menino, e com as palavras dela, se escorou na mesa dele e disse: “Olha aqui, fulano. Não sei qual é o teu problema. Mas a gente tá aqui pra estudar, e não pra ficar se ameaçando. Eu queria ser tua amiga, mas pelo jeito tu não quer. Então tu me deixa em paz e eu te deixo em paz. E se tu não fizer isso, vou chamar minha mãe. E se ela tiver que resolver do jeito dela, tu não vai gostar”. A mãe. Ela ia chamar a mãe. Com um irmão e um padrasto em casa, ela resolveu avisar ao menino que a mãe dela daria um jeito. E sim, eu daria. E sim, eu sei que ele não ia gostar, porque meu jeito ia ser dado junto à mãe dele, e não com ele.

Mesmo assim, chamei minha filha no meu quarto. Ela ainda vestia as roupas “super femininas” que usamos em nossas festas. Uma volumosa saia amarela e uma blusa com babados. Os cabelos adornados com uma rosa amarela presa ao lado da cabeça.

Só que no dia a dia, minha filha usa um piercing de septo falso (ela tem 11 anos), batom preto, vermelho, roxo, azul, o que ela quiser, pois usa batom rosa e vestidinho de renda com tiara de florzinhas também. Posso afirmar que ela é uma pequena mulher empoderada esteja em um âmbito mais tradicional, ou em qualquer lugar, cada lugar do seu jeito. Para mim, poder de verdade é tu conseguir transitar em todos os meios e ser respeitada em todos eles do mesmo jeito. O problema é que a decisão de empoderamento dela foi minha. Talvez não seja problema. Conduzo de uma maneira muito realista. Quer usar shortinho? Vai acontecer isso e aquilo. Vivemos numa sociedade doentia, mas não podemos nos tornar doentes por isso. Só tem que ter força para encarar os fatos. Hoje é arriscado o simples fato de sair na rua, sejamos mulheres ou homens, com short ou burca a ameaça vai ser a mesma. Quer frequentar ume festa numa comunidade que tem hábitos milenares? Vai respeitar os hábitos milenares, pois tu não gostaria que desrespeitassem tua casa. E era isso.

Mas nossa conversa não foi exatamente sobre isso. Foi sobre ser educada com as pessoas. Se perguntarem seu nome, responda. Se te derem bom dia, responda. Se te mandarem a merda, responda se te ofendeu, mas não precisa alterar o tom de voz. A vontade era de dizer para ela enfiar a mão na cara de alguém, mas não posso. Já expliquei que isso deve ser feito apenas em situações extremas de agressão.

Porém, fico me perguntando o que seria uma situação extrema de agressão. Físico/corporal? Ora, convenhamos. Já estamos cansados de saber que não é só isso.

Aí depois de todo este turbilhão na minha cabeça, chega a pérola do meu marido: “Sabe cara de paisagem? Tu tem que fazer cara de paisagem. Faz de conta que não está ali. Não é ignorar. É parecer que não está ali”. Então era esta a solução? Ser invisível? Como uma menina que ouve há 11 anos que não devemos ser apenas mais uma pessoa no mundo, que devemos lutar pelos nosso espaços e objetivos de vida vai ficar invisível?

Estava muito cansada para dizer alguma coisa. Na verdade, confesso que na maioria das vezes não sei o que dizer. Digo muita coisa, mas sempre sem a certeza de estar correta. Que bom seria se tivesse um manual de instrução para a vida. Principalmente para criar uma mulher. Um dia me disseram que era mais fácil para mim lidar com minha filha do que com meu filho, afinal era mulher também. Nunca ri tanto de uma piada.

A questão é que fomos dormir e a segunda-feira amanheceu. E com ela o pesadelo de saber que minha filha iria para uma escola onde passa a manhã inteira ao lado de um indivíduo de 13 anos (repetente) ameaçador. Sozinha, sem o irmão (homem e mais velho, lembram?), que em tese poderia defende-la. Mas ok. Meu marido levou-a até a escola e me ligou, colocando-a a falar comigo, para confirmar que estava tudo bem.

Foi depois disto que minha mente deu um nó. Vesti uma saia longa, uma blusa comum com rendas nos ombros. E fui para o trabalho. Meu marido sempre me acompanha no trecho, e eu sempre questiono o comportamento dele, pois sempre afirmo que sei me cuidar sozinha, ainda mais em um trecho que três quadras.

Eis então que caminhando sozinha, aleatoriamente olhei para um homem que estava sentado em um degrau, tomando um copo de café. Ele me olha e diz: “que coisinha linda”. O cérebro é algo muito, mas muito rápido, e meu começou a fazer perguntas enquanto eu dava apenas um passo:

- Será que na cabeça dele isso é um elogio?
- Será que na cabeça dele este ato é um direito dele, por ser apenas um objeto?
- Porque isso não acontece quando meu marido está junto?
- Volto e chuto o café na cara dele, aproveitando que ele está bem na altura do meu joelho?
- Grito um desaforo?
- Respondo que sou grande demais para ser chamada de coisinha?

Mas apenas continuei caminhando. Estava meio perplexa. Acabei optando pela invisibilidade.



domingo, 29 de maio de 2016

Ninguém merece

Crônicas da vida real:

Choque. O filho contou que havia pedido desculpas às colegas, pois havia “mexido” com elas. Que havia se dirigido à diretoria da escola para se retratar e pedir orientação de como agir, agora que tinha feito bobagem e não sabia como recuperar a confiança dos colegas.

- Entendo. Mas foram os professores que te chamaram?

- Não, mãe. Foi a Julia*. Vi que ela estava falando grosso e muito brava comigo. Dessa daí eu entendo bem a linguagem: ela estava muito furiosa. Daí me flagrei que tinha algo errado e fui procurar ajuda.

Agora, depois do acontecimento dos trinta e três do Rio de Janeiro, novas discussões surgiram nos lares, e a compreensão sobre receios de que durmam fora de casa, ou saiam para festas de desconhecidos finalmente parece estar sendo entendido.

E a mãe se viu no quarto sozinha com o menino que havia pedido ajuda na direção da escola:

- Mãe, menino não é estuprado?

- Sim, meu filho. Homens e mulheres podem fazer estas coisas contra alguém e sofrer este tipo de violência também.

- Ah. Eu sei como se estupra um menino. Não que eu tenha feito ou participado de uma coisa destas, mas eu sei.

- Entendeu então das coisas que eu temo?

- Sim. Mas fico pensando: se um cara vier pra cima de mim, consigo me defender. Mas se forem dois, não vou poder fazer nada.

(Imagina trinta e três, meu filho...)

- Esta é a parte mais triste. “Não poder fazer nada”. Homens parecem passar menos por este tipo de violência ou não denunciam, o que atrapalha a estatística. Por isto, a consciência que nós temos é de que mulheres passam muito mais por violência sexual do que homens.

- Ô, mãe. Tem uma menina lá na escola que está me provocando.

- Como assim?

- Ela fica rebolando na minha frente, “sentando até o chão” e depois empinando a bunda na minha cara. Daí eu peço licença para acompanhar a lição, e ela debocha gritando para as outras meninas que eu estou me controlando, como se isso fosse errado.

- E tu falou para a diretora?

- Sim. Ela anotou o nome da menina lá no caderno dela.

- Meu filho, se tu precisar que eu vá na escola conversar com a diretora, pode me pedir que eu dou um jeito.

- Não. A professora Manuela* sabe bem ajeitar as coisas... mas se não adiantar te chamo sim.

- Quero que tu entenda uma coisa muito séria: para  respeitar e proteger uma pessoa, não adianta esperar ela dizer não e parar de fazer o que se está fazendo. Vão haver situações em que tu vai te ver sozinho com uma menina e vocês estarão fazendo coisas que talvez ela não queira mais. É só parar também. Mas vão haver situações também, em que ela vai te pedir para fazer coisas que tu sabe que vão machucar ela, se não naquela hora, depois. E aí é teu papel saber dizer não também. Por mais que seja difícil. O namorado daquela moça do Rio de Janeiro estava com ela naquele dia. Dizem que ela se drogou, ou bebeu, não sei ao certo. E que convidava aqueles homens a “se servirem”. Não sei se isto é verdade. Mas se for. Tu não acha que teria sido bem diferente se o rapaz tivesse a mandado tomar um banho e um café forte pra recobrar a consciência ao invés de abusar da situação? Isto também é proteção e respeito.

******

Toda mulher já foi abusada de alguma forma.

Algumas pessoas chegam à ignorância de dizer que se alguma personalidade chega até veículos de mídia para falar sobre o assunto é “para se aparecer”.

Sinto muito, meus amigos. Mas se todas as personalidades femininas resolvessem falar o depoimento seria praticamente o mesmo.

Pode ter sido uma agressão física. Ou verbal, ou moral.

Pode ter sido um abuso físico. Ou verbal, ou moral.

Pode ter sido um estupro. Mas pode ter sido visual, pode ter sido virtual, pode ter sido sem penetração.

Não basta apenas respeitar o não.

Há muitos anos estamos debatendo o que é estupro ou não, o que é abuso ou não, o que é agressão ou não.

É tão difícil assim entender que atos sexuais com uma pessoa estando ela contrariada ou fora de consciência plena é estupro?

É tão difícil entender que tirar vantagem de alguma condição melhor em você sobre o outro é abuso?

É tão difícil assim entender que agressão não é só física, mas que ofendendo verbalmente, ou desmoralizar uma pessoa também é agressão?

Eu já tive “nãos” ignorados.

Eu já fui desrespeitada enquanto dormia.

Eu já fui assediada em reuniões de trabalho (graças aos Deuses há bons anos isto não acontece).

Eu já fui tocada na rua, vestida com roupas compridas, enquanto ia ao trabalho.

A vergonha é a mesma.

Hoje não é mais proibido ou repudiado ter filhas. Mas o pesadelo continua o mesmo.

******

Uma babá foi presa por ter estuprado uma menina de nove anos de idade.

A babá diz que a menina ameaçava ela caso não cometesse atos libidinosos, fotografasse e armazenasse no tablete da criança.


Vai que a guria estava possuída pelo Pazuzu e agora ninguém acredita na pobre babá?

*nomes fictícios