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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Terceira Carta - parte II

Vindo de Franz, é claro que o seu jantar de aniversário de casamento não resultaria apenas em um grupo de pessoas comendo e bebendo ao redor de uma mesa. Admirava as danças de salão, desde as valsas até as polcas, passando pelas marchinhas nativas da Bavária; e por isso, contratou um grupo de músicos para promover um pequeno baile no hall de visitas. Na última dança daquela noite, já madrugada, Jacob “roubou” Elka de Franz e fez as sais de seu vestido rodado farfalharem em meio aos risos de uma polca bem marcada e rápida.
Os convidados foram embora, no salão vazio, sob um lustre de cristal, Franz envolveu a cintura da esposa com as mãos e beijou-a nos lábios tão longamente, que ela sentiu como se o calor do verão subisse dos seus pés até o colo. Franz ergueu-a em seus braços e levou-a escada acima, até o quarto.
- Meu amor... Preciso tomar um banho, colocar uma camisola... – Sussurrou Elka, enquanto ele abria seu vestido e a deitava na cama.
- Não precisa. Quero você assim, como é... Como está. – Ele admirava o corpo nu dela ornamentado apenas com o colar de diamante.
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O relógio despertava para o verão de 1936. Elka espreguiçou-se e sentou encostada na cabeceira da cama. Levou um susto ao abrir os olhos e ver Franz sentado aos seus pés, muito sério.
- Querido... Há quanto tempo está aí?
- Não sei... Talvez a uma meia hora... – Franz passou os dedos entre os próprios cabelos e suspirou. – Elka... Perdoe pela pressa, mas poderia me acompanhar até o sótão?
Elka chegou a dar um sorriso, mas percebeu não se tratar de uma das costumeiras surpresas de Franz, tamanho era o peso da sua expressão e logo ficou séria também.
- Posso pelo menos vestir-me?
- Coloque o robe. Temos um pouco de pressa.
Ela obedeceu. Acompanhou o marido que a levava pela mão. Entraram no sótão. Estranhou que Franz não tenha pegado a lamparina que geralmente ficava na entrada: já estava acesa ao fundo do cômodo. Refletida pela luz tênue, a silhueta de Jacob, sentado em uma cama improvisada no chão.
- Jacob? Mas o que... – E Elka foi interrompida pela mão de Franz sobre seus lábios.
- Não fale alto. Ninguém pode saber que ele está aqui. Nem os empregados.

A mulher aproximou-se lentamente do amigo e percebeu o que estava acontecendo. Jacob chorava assustado. Sentou-se ao seu lado e o abraçou, sem perguntar mais nada. Franz envolveu-os com seus braços. Agora os três eram cúmplices dos maiores crimes que poderiam ter cometido: ela, o de voltar seus olhos apenas ao seu pequeno mundo de luxo inocentemente sem saber que um dia esta cena viria a acontecer; Franz, o de acreditar que todos eram iguais e podiam ser amigos; e Jacob, o de ter nascido judeu.

Esta imagem estava disponibilizada pelo Google. Caso saibam o autor, me informem nos comentários para que eu possa editar o post dando os devidos créditos.

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