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sábado, 18 de janeiro de 2014

Aprendendo a ser mãe I

Eu já fui mãe de muita gente.

Já interpretei uma mãe que de tão ruim, mandou chamar o veterinário quando seu filho adotivo adoecera num espetáculo chamado “O Menino Diferente” (Fontes Produções, 2003). Já interpretei uma mãe excessivamente preocupada, em “O Menino do Dedo Verde” (Fontes Produções, 2009). Já interpretei até uma mãe de 105 anos, que era os olhos que tudo viam em uma fazenda nos tempos de escravidão em “Allahu-Akbar” (Fontes Produções, 2002). Já interpretei uma matrona açoriana, chegando em Itapuã no século XVIII com filhos e netos (Fontes Produções, 2003). Já interpretei a mãe de um padre que foi possuída por demônios em “A Casa das Sombras” (Fontes Produções, 2005/6). Já interpretei uma mãe caipira, bonachona e histérica em “O Casamento na Roça” (Cia. do Riso, 2004). Sabem que eu já interpretei até a mais famosa das mães? Em uma fase mais despreocupada, Maria paria o menino Jesus em um Auto de Natal (Fontes Produções, 2004). Em uma fase muito mais pesada e dolorida, Maria assistia à crucificação do mesmo menino Jesus já crescido em uma Paixão de Cristo (Fontes Produções, 2006).

De todas estas mães, poderia retirar duas conclusões: a primeira é “Nossa! Trabalhei um bom tempo com esta tal Fontes Produções!”. A segunda é a de que poderia ter aprendido a ser mãe antes mesmo de ter meus filhos de verdade, já que um nasceu em 2004 e o outro em 2005.

É muito engraçada esta relação que tenho com meus ex-colegas de teatro (pois faz mais de 6 anos que não coloco os pés em um palco): lembro do rosto de cada um deles e de como me olhavam nestes períodos. Embora fossem todos “marmanjos” e “marmanjas” (Uma das atrizes que trabalhou comigo “conseguiu” ser minha filha em três espetáculos diferentes! E dois outros atores eram homens com mais de 1,90m e voz bem grave, imaginem...), lembro exatamente de como cada um deles me chamou de mãe.

Lembro também do que mais me marcou. Quando interpretei Maria na Paixão, Mel Gibson havia lançado há um ano a sua versão da história. E foi na Maria criada e dirigida por ele que me apoiei. E como foi difícil! Assisti ao filme com meu filho mais velho em meu colo, pois ele havia acordado no meio da noite em que eu estava fazendo um laboratório, e eu havia o feito dormir novamente. Quando vi Maria enxergando no homem que carregava a cruz o mesmo menino que caía e “ralava” o joelho, e se dando conta de que agora não poderia ajudá-lo a levantar do chão, chorei por um bom tempo olhando para meu filho. Entendi que por mais que cresçam, os filhos continuam sendo os mesmos meninos e meninas para nós, mães. Já havia ouvido muitas mães falarem isto, mas até ali, não havia vivenciado. E não adianta: há coisas que só entendemos vivenciando. Quando o espetáculo acabava, não íamos até a ressurreição. A última cena era a retirada do corpo da cruz e a entrega dele em meu colo. Estava sentada no chão, amparada por outros personagens. Deitavam meu colega em meu colo e eu enchia seu rosto de beijos. Beijos desesperados de uma mãe que não conseguiu “juntar” seu filho quando ele caiu. A cortina fechava e ficávamos ainda um bom tempo abraçados chorando. Foi uma experiência muito forte.

Não sei exatamente o que dela ficou em mim. Às vezes acredito que tenha sido uma boa dose de desespero. Talvez uma ansiedade muito grande. A ânsia de impedir que um filho venha a cair, para que eu não precise passar pela experiência de não poder juntá-lo.

Talvez minha preocupação seja justamente por saber que todas as mães, e provavelmente eu também, em algum momento não conseguem juntar seus filhos, e as caídas são inevitáveis. Nem minha própria mãe conseguiu: quando tive que levantar de meu maior tombo, o fiz sozinha. De certa forma, penso que um dia terei que me conformar com isso.


Mas isto dói. E como.


As duas fotos da Pietá de Michelângelo que coloquei na postagem extraí do Google. Não sei quem são os autores. Se alguém souber, peço que por gentileza me informe nos comentários, para que eu possa editar a postagem com as informações de autoria.

2 comentários:

  1. Que lindo e sensível texto, Carol.
    E tantos papéis de mãe... Eu sempre vou ficar com uma pontinha de curiosidade de ver minha irmã atuando :)

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    1. Pois é, antes de ser mãe de verdade eu já era mãe de um monte de gente. Estou me organizando para voltar à ativa, Karine, tu ainda vai assistir...

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